O sertão nordestino começou a ser
desbravado no início do século XVIII. Não havia como assegurar a demarcação das
terras, a distância e o abandono do poder oficial constituído deixava os envolvidos em total isolamento. À
medida em que os fazendeiros se estruturavam, ganhavam poder, prestígio e
autonomia política. A disputa entre terras era resolvida entre os próprios
fazendeiros, já que o governo não intervia. Nessa guerra, alguns fazendeiros
(coronéis) começaram a criar o seu exército particular. Eles precisavam de
proteção pessoal e, para isso, contratavam capangas, verdadeiros guarda costas
que os acompanhavam nas empreitadas e viagens.
O capanga (soldado a serviço de um chefe
político) também era conhecido como jagunço (palavra de origem africana
junguzu, da língua Quibundo e significa soldado). Com o tempo, jagunços
descontentes tornaram-se independentes e prestavam serviços a quem lhes pagasse
mais. A maneira com a qual os jagunços portavam o rifle, apoiados nos ombros,
semelhante a uma canga (apoio de madeira, usado para unir os bois nos trabalhos
pesados em geral), foram denominados cangaceiros.
Um dos primeiros cangaceiros a adquirir
notoriedade foi Jesuíno Brilhante que recebeu a alcunha de O Cabeleira. Outro
que adquiriu fama foi Sebastião Pereira, conhecido por Sinhô Pereira. Mais
tarde é que surgiu o cangaceiro mais famoso do Brasil, Lampião. Na época, o
governo federal lutava sem sucesso para combater um grupo de revoltosos. A
solução sugerida foi o apoio do bando de Lampião para combater esses rebeldes,
em troca, concedia-lhe anistia pelos crimes cometidos. Os oficiais e soldados
que perseguiam Lampião ficaram inconformados e partiram para a luta. O acordo
foi anulado e Lampião revoltado com a falta de palavra e pulso das autoridades
começou a atacar cidades e matar todo policial que encontrasse.
ILUSTRADA – A revista carioca A Noite
Ilustrada publicou a maior cobertura da imprensa sobre a morte do mais famoso
cangaceiro, fato que evidencia sua importância como notícia e lenda. Uma semana
depois do massacre contra os cangaceiros, a publicação estampou em suas páginas
centrais a foto das cabeças decepadas do bando de Lampião. A revista enviou uma
equipe (fotógrafo e reporter) do Rio de Janeiro até o local, a dois mil
quilômetros de distância, em pouco mais de 24 horas. Foram 28 páginas sobre o
massacre.
A redação de A Noite Ilustrada funcionava
no centro do Rio de Janeiro (Praça Mauá) e onde ficavam redações de jornais,
revistas e emissoras de rádio importantes. Lançada em 1930, a publicação
surgira como um marco por sua qualidade de impressão, graças ao moderno sistema
de rotogravura. Pertencia ao jornal A Noite, mesmo diário fundado por Irineu
Marinho e Geraldo Rocha. A Noite sobrevivera ao longo da década de 1930 sob o
duro castigo de ter apoiado o grupo derrotado pela Revolução de 1930.
Com diversos problemas financeiros, o
jornal se tornou uma especie de órgão a serviço de Getúlio Vargas e radicalizou
seu oficialismo com a decretação do Estado Novo, em novembro de 1937. A
orientação editorial dava o tom na cobertura do massacre em Angicos e no modo
como a tropa do Exército foi tratada.
A edição trazia o primeiro episódio de uma
série em quadrinhos sobre a vida do cangaceiro, roteirizada e quadrinizada por
Euclides Santos. Com dez quadrinhos cada página, iniciava uma série publicada
duas vezes por semana no jornal A Noite. Nos cinco meses seguinte.
O chefe dos volantes exibiu em diversas
cidades, as cabeças dos cangaceiros. O motivo era evitar alguma lenda de
negação do fato. Depois seguiram para Salvador e permaneceram por seis anos na
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia. Por mais de três
décadas, as cabeças ficaram expostas no Museu Antropológico Estácio de Lima, no
prédio do IML Nina Rodrigues, no Terreiro de Jesus, em Salvador. Atraíam
milhares de curiosos todos os anos, que queriam ver as cabeças de Lampião e
Maria Bonita.
As fotos publicadas em A Noite Ilustrada
corriam o Brasil e o mundo. E, por mais que a publicação chamasse Lampião de facínora, o
resultado é que não conseguiu evitar que de suas páginas nascesse uma lenda
que, como tal, ainda fascina. Seja em cordel, literatura, teatro, cinema, tevê
ou quadrinhos.
O quadrinista Euclides Luís dos Santos
nasceu na cidade pernambucana de Mussaré em 1908. Pintor, desenhista e
caricaturista, foi para o Rio de Janeiro com seu companheiro de viagem na
Sociedade Brasileira de Belas Artes em 1931. No período de 1933 a 1955
colaborou como ilustrador nas páginas de A Noite, A Noite Ilustrada, Vamos ler!
(onde ilustrou o romance Oliver Twist de Dickens), Carioca, O Cruzeiro, O Malho
e Revista da Semana.
O historiador Herman Lima, que o focalizou
na História da Caricatura no Brasil (1963), referiu-se à intensidade de seu
trabalho no campo da ilustração. Como pintor recebeu as medalhas de prata e de
ouro e o prêmio de viagem ao estrangeiro no SNBA, do qual participou inclusive
em 1964.
*OBS:
Agradeço ao jornalista e pesquisador Luiz Eduardo Dorea que descobriu, em suas
pesquisas sobre Lampião, os quadrinhos publicados na Noite Ilustrada.
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