30 agosto 2019

Há 50 anos sem Theodor Adorno


Há 50 anos morria um dos criadores do termo “indústria cultural”. Filósofo alemão de origem judaica, Theodor Wiesengrund Adorno (11/setembro/1903-06/agosto/1969) é um dos nomes mais conhecidos da chamada Escola de Frankfurt, que contribui para o renascimento intelectual da Alemanha após a II Guerra Mundial. E projetou-se como um dos críticos mais ácidos dos modernos meios de comunicação de massa. Ao exilar-se nos Estados Unidos, entre 1938 e 1946, percebeu que a mídia não se voltava apenas para suprir as horas de lazer ou dar informações aos seus ouvintes ou espectadores, mas fazia parte do que ele chamou de indústria cultural. Um imenso maquinismo composto por milhares de aparelhos de transmissão e difusão que visava produzir e reproduzir um clima conformista e dócil na multidão passiva. 



Adorno era um dos "apocalípticos" em quem Umberto Eco estava pensando quando escreveu seu "Apocalípticos e Integrados". Uma obra central da trajetória de Adorno, a "Dialética do Esclarecimento", foi escrita (em parceria com Max Horkheimer) durante o auge do horror nazista, entre 1941 e 1944. Ter isso em mente ajuda a entender e aceitar a radicalidade das ideias de Adorno, e mesmo sua aparente sisudez.




Foi no seu exílio americano durante a Segunda Guerra Mundial que, junto com Max Horkheimer, Theodor Adorno redigiu a obra Dialética do Iluminismo (1947), uma aproximação crítica e ideológica aos mecanismos de funcionamento da civilização moderna ocidental. Com esta obra, Adorno fundou a Teoria Crítica da Sociedade (também identificada com a Escola de Frankfurt, assim chamada por causa do Instituto de Investigação Social daquela cidade, no qual Adorno e Horkheimer voltaram a fazer pesquisas e lecionar, a partir de 1949). Sob a influência da teoria marxista e dos modernos conhecimentos de psicologia social e cultural, o autor interroga-se por que razão foi tão difícil o pensamento racional, que marcou o Iluminismo do século 18, contribuir para os objetivos de liberdade e autodeterminação do ser humano. Adorno afirma que os dirigentes da economia e da sociedade podem corromper os ideais libertadores da época do Iluminismo para manipularem ideologicamente as pessoas e reprimi-las socialmente. Seria essa a causa, por exemplo, do extermínio dos judeus praticado pelos nazistas. As suas obras do pós-guerra (A Personalidade Autoritária, 1950, e Dialética Negativa, 1966) tiveram uma influência decisiva na formulação teórica do movimento estudantil dos anos 60, apesar de na época ser recente sua participação no ativismo político.



A sua polêmica teórico-científica com o filósofo Karl Popper, revelando profundas implicações políticas, representou uma dura prova para a sociologia alemã. Na história das ideias, tal polêmica ficou conhecida como Discussão do Positivismo na Sociologia Alemã (1971). Para recordar este importante pensador, que também foi músico, crítico musical e compositor, sua cidade natal, Frankfurt, instituiu em 1977 o Prêmio Theodor W. Adorno, concedido a personalidades que se destacam na filosofia e na arte.



INDÚSTRIA CULTURAL





Com o termo “indústria cultural”, o filósofo alemão Theodor Adorno se propõe a explicar a arte consumida pelas massas, uma mercadoria que não é mais produzida pelo trabalho artesanal, mas conforme o modelo da manufatura e da grande indústria. Seu diagnóstico se contrapõe ao do Walter Benjamin (1892-1940). Este confiava no potencial criativo desencadeado pela cooperação e o defendia na expectativa da “politização da arte”. Na perspectiva de Adorno, na indústria cultural, as massas não são o elemento ativo, mas pura passividade. Têm-se assim não apenas uma nova forma de despolitização da sociedade, mas um instrumento de domínio e integração social.




Mas voltando ao ano de 1944, os filósofos Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969), da conhecida Escola de Frankfurt, avançam com o conceito de “indústria cultural” para se referirem à mercantilização da cultura, fruto do desenvolvimento dos media, da tecnologia e da capacidade de reprodução e seriação. Pela primeira vez, a produção dos bens culturais é estudada no contexto global da industrialização da cultura como mercadoria. Esses teóricos partem de uma concepção de “cultura superior”, como a pintura, o teatro ou a literatura, ligada ao sagrado – obras de arte únicas, não reprodutíveis, com “aura” –, para afirmarem que a indústria cultural é o símbolo do anti-iluminismo. Esta visão apocalíptica, que iria influenciar radicalmente os estudos sobre comunicação e cultura de massas, foi descrita no célebre livro “Dialéctica do Iluminismo”, publicado em 1947.



Foi a sociedade americana entre os anos 30 e 40, onde Adorno e Horkheimer estavam exilados, o objeto principal de estudo que serviu de base à emergência do conceito de indústria cultural. Ambos tinham uma vincada cultura clássica e encontraram nos Estados Unidos um ambiente cultural muito diferente, onde o cinema e o jazz se encontravam no auge. É a partir desta vivência que ambos começam a olhar para o cinema, a rádio, a literatura e a música como um negócio e não uma arte, opondo-se ao tipo de conhecimento emergente da investigação norte-americana.



Se a cultura de consumo segue uma estratégia de venda com o objetivo de distrair um público massivo, menos esclarecido, o nível de qualidade da oferta é reduzida, provocando apatia e empobrecimento estético. E é este o ponto de viragem para Adorno e Horkheimer: a verdadeira arte vai sendo substituída por uma série de efeitos e padrões de forma a unificar os gostos: “desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é recompensado, e, ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é perfeitamente capaz, desde os primeiros compassos, de adivinhar o desenvolvimento do tema (…)”




As mercadorias culturais são valorizadas pela perspectiva do lucro e não pelo seu próprio conteúdo. A “técnica” na indústria cultural refere-se à organização da cultura em si, permanecendo externa à técnica artística, ou seja, é um “parasita”. É desta técnica parasita extra-artística que resulta o pastiche (Gemisch), uma cultura de imitação, em que se conjuga a indústria com os resíduos individualistas. Adorno alude à “aura” de Benjamin, referindo que ela não desaparece, mas é conservada como que petrificada.



Em 1963, numa conferência radiofônica, Adorno faz um resumo sobre os pensamentos expostos no livro “Dialéctica do Esclarecimento”, escrito 20 anos antes. A razão pela qual Adorno e Horkheimer substituíram “cultura de massas” por “indústria cultural” é explícita: este último conceito diferencia-se de forma extrema do primeiro, pois “cultura de massas” pode ser entendida por outros (erradamente) como “uma cultura que emerge espontaneamente das próprias massas, de uma forma contemporânea de arte popular”. A indústria cultural não é de todo espontânea, dado que “promove uma união forçada das esferas de arte superior e inferior, que permaneceram separadas durante milênios”.



Que valor representa a cultura de massa para Adorno, já que a distingue de indústria cultural. A cultura de massa é, no fundo, sinônimo de indústria cultural. O primeiro termo foi substituído apenas para não ser interpretado de um ponto de vista positivo, como uma “verdadeira” cultura popular. A expressão “indústria cultural” tem um propósito político, quase para reforçar os argumentos destes.

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