A tese de doutorado de Alba Valéria Tinoco Alves Silva, Deus e o Diabo no Humor das Mulheres
(contos, casos e crônicas com humor escritos por mulheres) foi publicada pela Edufba em 2015. A obra faz uma reflexão sobre o lugar da mulher na nossa sociedade, a partir de sua produção literária pelo viés do humor e da comicidade. Questiona o baixo desempenho da mulher em relação ao humor, no âmbito da literatura brasileira. Revisa algumas teorias do humor a partir das noções de superioridade, incongruências e catarse, e exemplifica o uso de mecanismos de construção de humor em textos narrativos de autoria feminina.
Organizado em
quatro capítulos, o livro
traz alguns estudos sobre
o humor. O foco
do segundo capítulo é
a relação entre as
mulheres e o
humor com trabalhos
de pesquisadoras do
humor de mulheres nos
EUA. O capítulo três
menciona alguns procedimentos
de construção do humor,
com base no trabalho
de Vladimir Propp (Comicidade
e riso). Já no
último capítulo, trechos de
contos, casos e
crônicas com humor
escritos por mulheres
no Brasil.
Há uma
série de fatores da
invisibilidade da mulher
no humor:
a exclusão da
mulher de uma série
de profissões até recentemente;
a hegemonia masculina
no mercado editorial,
entre outras. E a
própria autora analisa:
“A questão é que
o humor é diferente.
O humorista vai de
encontro aos valores
publicamente
aceitos da cultura,
ele mostra que os
pés dos santos são
de barro, diz que
não apenas o imperador
está nu, mas também
estão o político,
o piedoso e o
pomposo. Para as
mulheres, tomar tal
atitude significa
quebrar as regras
da posição passiva e
subordinada, que lhes
foi conferida por séculos
de tradição patriarcal,
e revelar as vergonhas,
hipocrisias e incongruências
da cultura dominante.
Ser uma mulher e
humorista é confrontar
e subverter o próprio
poder que mantêm a
mulher impotente e, ao
mesmo tempo, correr o
risco de confrontar
justamente aquelas de
quem ela é dependente.
O delicado equilíbrio
entre poder e impotência
é a questão central
dos temas e das
formas do humor que
a mulher escreve”(pag.
61).
De onde
vem o mito da
falta de humor das
mulheres? Questiona
Alba na página 70.
Ela responde: “ A lógica,
a razão e o
pensamento analítico
se tornaram províncias
masculinas enquanto à
mulher foram atribuídos
a intuição, o sentimento
e a moralidade.
As duas idealizações
prevalentes da mulher
do século XIX, a
mulher espiritual e a
mãe-terra, eram igualmente
desprovidas de intelecto;
quer ela levasse o
homem para o plano
espiritual ou telúrico,
as funções e a
natureza femininas
continuavam intocadas
pelo intelecto”.
Entre os
fatores que corrobora
a ideia de que
a mulher é menos
afeita ao humor na
língua portuguesa, entre
as formas de tratamento
dado à mulher estão
os exemplos: termos que
designam os animais
masculinos (galo, touro,
cão) têm uma acepção
positiva, enquanto os
seus equivalentes, no
feminino (galinha,
vaca, cadela) têm acepções
negativas, associadas
à mulher, qualificando-a
como leviana e promíscua.
Segundo a
autora, a “negação
do senso de humor
das mulheres não é
uma questão isolada ou
trivial. Pelo contrário,
é parte de uma
complexa teia de
pressupostos culturais.
À medida que a
mulher é vista como
apoio, objeto sexual e
serva doméstica, ela não
pode ao mesmo tempo
ter a permissão
de ter senso de
humor, com sua necessária
afirmação de superioridade
e sua crítica fundamental
à realidade social” (pag.86).
Em sua
pesquisa, Alba estudou
12 obras dedicadas
ao humor no Brasil
e chegou a esta
conclusão:
História da
Caricatura no Brasil.
V.1 (2012), de Luciano
Lustosa não tem
nenhuma mulher.
Entre sem
Bater (2004), de Luis
Pimentel tem 93
humoristas e 1
mulher, Nair de
Teffé (foto).
Piracicaba 30
Anos de Humor (2003):
189 humoristas e 07
mulheres
Barão de
Itararé: o humorista
da democracia (2002), de
Leandro Konder: 15
humoristas, nenhuma mulher.
Raízes do
Riso (2002), de Elias
Thomé Saliba: 51 humoristas,
nenhuma mulher.
Os 100
Melhores Contas de
Humor da Literatura
Universal (2001): 21
escritores brasileiros
e 1 mulher.
Revista Bundas
(1999): 36 colaboradores,
nenhuma mulher.
Antologia Brasileira
de Humor (1976): 2
mulheres: Ciça e
Mariza, entre outras
obas.
Há uma
presença rarefeita
de nomes femininos
no humor gráfico. Temos
Rian, Hilde, Yolanda, Mariza,
Ciça, e Pryscilla
Vieira, cita a
autora. O tema
humor feminino foi pouco
explorado nos meios
acadêmicos brasileiros
e que pode interessar
a pesquisadores de
humor e de gênero.
A obra lança um
novo olhar sobre o
texto literário da mulher
brasileira através das
lentes do humor. A
pouca visibilidade do
humor produzido por mulheres
no Brasil é uma
questão de tempo.
Afinal, como concluiu
Alba, “quem ri por
último ri melhor”.
ANGOULÊME
O Grande Prêmio de Angoulême, uma
das premiações mais prestigiadas no mundo dos quadrinhos, está sofrendo um boicote.
O motivo é que das 30 pessoas indicadas como finalistas neste ano nenhuma é
mulher. A 43ª edição do festival acontecerá entre os dias 18 e 31 de janeiro na
cidade do oeste da França. Ao menos dez artistas já aderiram ao boicote
organizado pelo grupo BD Égalité, que luta pela igualdade de gênero nas HQs.
Detalhes e opiniões das cartunistas:
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