E Chico faz um convite ao abandono de uma atitude repressiva (a volta ao útero materno: o regaço”),
e o apelo erótico contido no brincar no fogo. Contra a repressão da procura da segurança – que, no limite, é a atração por Tânatos – a proposta vital (apesar dos riscos) de Eros, é este “Bom Conselho” (1972) que dá o poeta: “Deixe esse regaço/Brinque com o meu fogo/Venha se queimar”.
Feita
para o filme “Dona
Flor e Seus Dois
Maridos”, a canção
“O Que Será” tem
três versões, que marcam
passagens diferentes
da trama: “Abertura”,
“À Flor da Pele”
e “À Flor da
Terra”. Cantada no filme
por Simone, a versão
“À Flor da Terra”
alcançou grande sucesso
na gravação de Chico
Buarque e Milton
Nascimento, que abre
o elepê “Meus Caros
Amigos”. Mais tarde Chico
cantou no disco de
Milton, “À Flor da
Pele”.
As canções
de Chico Buarque tematizam
a mulher e seu
desejo. Ele sempre foi
reconhecido como um
dos poetas que mais
sensivelmente captam o
feminino e o
exprimem, traduzindo-o
em palavras e música.
Um estudo temático das
letras que modulam o
feminino é a
proposta do livro
da professora Adélia Bezerra
de Menezes, “Figuras
do Feminino na Canção
de Chico Buarque”.
“Dentro
da fêmea Deus pôs/Lagos
e grutas, canais,/Carnes
e curvas e cós/Seduções
e pecados infernais/Em
nome dela, depois/Criou
perfumes, cristais/O
campo de girassóis/E
as noites de paz”
(Tororó, 1988). São
imagens de alta
intensidade sensorial.
Ou mesmo à explicitez
ousada de “O Meu
Amor” (1977): “O meu
amor/Tem um jeito
manso que é só
seu/De me deixar
maluca/Quando me roça
a nuca/E quase
me machuca com a
barba malfeita/E de
pousar as coxas entre
as minhas coxas/Quando
ele se deita, ai”.
Uma disputa
entre duas mulheres que
amam o mesmo homem
as exibe medindo o
grau de envolvimento
amoroso pelo critério
exclusivo do prazer
físico proporcionado pelo
amado. Canta uma delas:
“O
meu amor
Tem
um jeito manso que
é só seu
E
que me deixa louca
Quando
me beija a boca
A
minha pele inteira fica
arrepiada
E
me beija com calma
e fundo
Até
minh’alma se sentir
beijada, ai”.
E
a outra:
Tem
um jeito manso que
é só seu
Que
rouba os meus sentidos
Viola
os meus ouvidos
Com
tantos segredos lindos e
indecentes
Depois
brinca comigo
Ri
do meu umbigo
E
me crava os dentes,
ai”.
Mas
as duas mulheres se
encontram no refrão:
‘‘Eu
sou sua menina, viu?
E
ele é o meu
rapaz
Meu
corpo é testemunha
Do
bem que ele me
faz”.
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