No seu
primeiro estudo da
obra do poeta, Adélia
Bezerra de Meneses
(“Desenho Mágico: poesia
epolítica em Chico
Buarque) informa que
“Chico revela uma paixão
pela palavra,
que ele trata quase
sensorialmente; pela palavra
que, nele, é instrumento
de magia. Pois Chico
é um alquimista
verbal (...). Para ele,
a palavra guarda sempre
um valor de música:
vira canção. E na
canção – palavra cantada – mais
do que na poesia,
ela é corpo:
modulada pela voz
humana, portanto carregada
de marcas corporais;
carregada de valor
significante. A canção
é isso: ligação de
sema e soma
(sema
= signo; soma= corpo)
no belo trocadilho
que o grego oferece”.
Esse poder
de lidar com as
palavras foi um
dos motivos de ele
ter sido tão visado
pela censura nos anos
70: a ausência de liberdade
em “Apesar de Você”
(1970), a existência
alienada em “Deus
lhe Pague” (1971), o
desejo reprimido em “Quando
o Carnaval Chegar” (1972) e,
de parceria com Gilberto
Gil, “Cálice”, o limite
da repressão e da
censura levará ao
silencio: Cálice/Cale-se
(1973) foram algumas das
mais significativas canções
proibidas. Com a
“desrepressão” política,
a partir de 1979, há
uma liberalização no
nível da censura moral,
e começa a haver
o tratamento de temas
até pouco tempo tabus
no âmbito da canção
popular: a prostituição
(“Viver do Amor”,
“Mambordel”), a bissexualidade
(“Geni”), o amor lésbico
(“Mar e Lua”) etc.
Na
canção “Festa Imodesta”, Caetano
Veloso faz uma homenagem
a Chico, o compositor
popularque malandramente
utiliza a “linguagem
da fresta” para dar
o seu recado (“Numa
festa imodesta como esta/vamos
homenagear(...)/tudo
aquilo que o malandro
pronuncia/que o
otário silencia/toda festa
que se dá ou
não se dá/passa
pela fresta da cesta
e resta a vida”).
Nesse contexto de repressão,
se instaura toda uma
semântica de repressão:
boca calada, realidade
morta, mentira, força bruta,
palavra presa na
garganta, peito calado
(Calice); amor reprimido,
grito contido, gente falando
de lado e olhando
pro chão (Apesar de
Você); alegria adiada, abafada
(Quando o Carnaval
Chegar).
Esse artesão
habilíssimo lê as
entranhas dos homens
e, sensível, capta o
erótico, o social
e o feminino. Seu
poder de lidar com
a palavra faz dele
um instrumento de
desvendar a realidade,
de romper o silêncio.
O canto do amor
físico, da “paixão dos
sentidos” -- o amor
enquanto linguagem
do corpo, mostrado
a propósito de uma
disputa entre duas
mulheres que amam
o mesmo homem e
medem o grau de
envolvimento amoroso pelo
critério do prazer
(O Meu Amor) ou
a proposta de uma
explosiva liberação
erótico-política na
grande canção utópica “O
Que Será” (“...não
tem certeza, nem nunca
terá/O que não
tem conserto, nem nunca
terá/O que não
tem tamanho”). Tudo que
é recalcado, reprimido,
emerge à flor da
terra, da pele. E
o coração reerotizado
que se deixa emocionar
vitalmente, se deixa
apaixonar é a
proposta presente em
“O Que Será – À
Flor da Pele”:
“O
que será que me
dá
que
me bole por dentro,
será
que me dá
que
brota à flor da
pele,
será
que me dá
e
que me sobe às
faces
e
me faz corar(...)
o
que me aperta o
peito
e
me faz confessar
o
que não tem mais
jeito de dissimular
e
que nem é direito
ninguém recusar
e
que me faz mendigo,
me
faz suplicar,
o
que não tem medida,
nem
nunca terá
o
que não tem remédio,
nem
nunca terá
o
que não tem receita”
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