Carlos
Drummond de Andrade (1902/1987) – É considerado o maior poeta
moderno em língua portuguesa. A temática amorosa pode ser rastreada
em toda a obra de Drummond. Mas as últimas publicações do poeta e
o livro “O Amor Natural”, ultrapassam o simplesmente amoroso para
desembocarem em uma representação estética do amor erótico, que
se propõe como encontro também carnal, condição do
amor-totalidade. “Em todos os poemas – como analisou a professora
Rita de Cássia Barbosa no livro Poemas Eróticos de Carlos Drummond
de Andrade -, desnuda-se a mulher, a presença indispensável para
acender o impulso erótico do poeta. Explícita ou figuradamente, o
eu lírico detém-se na região pubiana feminina, em seios, coxas,
nádegas, tomados como objetos de desejo ou instrumento de gozo
realizado. Ou são também revividos os encontros sexuais, ocasião
em que a femina evolui de objeto desejável a objeto desejado,
chegando, como sujeito desejoso, a fonte e receptáculo de prazer. A
instância desejante, o homo, expressando-se pela voz do eu lírico,
é sempre quem cuida da figuração”.
O que
se passa na cama
(o que se
passa na cama
é
segredo de quem ama.)
É
segredo de quem ama
não
conhecer pela rama
gozo que
seja profundo,
elaborado
na terra
e tão
fora deste mundo
que o
corpo, encontrando o corpo
e por ele
navegando,
atinge a
paz de outro horto,
noutro
mundo: paz de morto,
nirvana,
sono do pênis.
Ai, cama,
canção de cuna,
dorme,
menina, nanana,
dorme a
onça suçuarana,
dorme a
cândida vagina,
dorme a
última sirena
ou a
penúltima...O pênis
dorme,
puma, americana
fera
exausta. Dorme, fulva
grinalda
de tua vulva.
E
silenciem os que amam,
entre
lençol e cortina
ainda
úmidos de sêmen,
estes
segredos de cama.
“O que
se passa na cama” reporta-se ao presente, insistindo no “segredo”
que assinala a realização do ato amoroso. Segredo e intimidade
percorrem todo o poema, graças à freqüência das vogais fechadas e
dos sons nasais. Recursos que, associado à utilização da
redondilha maior, contribui para a musicalidade do poema,
intradenominado “canção de cuna”. Os quatro versos finais,
envoltos pelo silêncio de “lençol” e “cortina”, mas “úmidos
de sêmen”, reiteram o caráter crítico do poema. Não é na
menção explícita aos órgãos sexuais, a sêmen, contudo, o que o
erotismo se registra no poema.
No
pequeno poema “A Paixão Medida” (1980), que dá título a um de
seus livros, o erotismo se oculta, lúdico e malicioso, por detrás
dos vocábulos, e se sutiliza, e se resolve em pura poesia: “Trocaica
te amei, com ternura dáctila/e gesto espondeu./Teus iambos aos meus
com força entrelacei./Em dia alcmânico, o instinto ropálico/rompeu,
leonino,/a porta pentâmetra./Gemido trilongo entre breves
murmúrios./E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,/senão a
quebrada lembrança/de latina, de grega, inumerável delícia?”.
No livro
O Amor Natural, publicado em 1992, cinco anos depois da morte do
escritor, se surpreende um Drummond fogosamente audacioso,
deliciosamente irreverente. Um Drummond de língua, e boca, e mãos,
e falo, e desejo, a cantar o sexo em tom de elegia, entre o exaltado
e o melancólico, como a lamentar a fugacidade de prazeres que, de
tão humanos, extravasam o divino. É uma coletânea de poemas
sensuais, a maioria deles mantida em segredo pelo poeta enquanto
estava vivo.
já tudo
se transforma, num relâmpago.
Em
pequenino ponto desse corpo,
a fonte,
o fogo, o mel se concentraram.
Vai a
penetração rompendo nuvens
e
devassando sóis tão fulgurantes
que nunca
a vista humana os suportara,
mas,
varado de luz, o coito segue.
E
prossegue e se espraia de tal sorte
que, além
de nós, além da própria vida,
como
ativa abstração que se faz carne,
a idéia
de gozar está gozando”.
Livros
como Amor Amores (1975), Corpo (1984), Amar se Aprende Amando (1985)
e Amor, Sinal Estranho (1985) é diferente de Amor Natural. Aqui, o
lúdico se torna provocante. Aqui, Drummond é erótico sem jamais
tocar no pornográfico. Ele fala de corpos noutros corpos
estrelaçados, de mãos que separam pétalas e as acariciam, tendo o
céu por testemunha e metáfora do orgasmo.
de rosa
pluriaberta; a língua lavra
certo
oculto botão, e vai tecendo
lépidas
variações de leves ritmos.
E lambe,
lambilongo, lambilenta,
a
licorina gruta cabeluda,
e, quanto
mais lambente, mais ativa,
atinge o
céu do céu, entre gemidos,
entre
gritos, balidos e rugidos
de leões
na floresta, enfurecidos” (A Língua Lambe).
A
publicação póstuma dos poemas ditos eróticos de Carlos Drummond
de Andrade, O Amor Natural, suscitou a velha questão dos limites
entre erotismo e pornografia. Ocupando o lugar de nosso maior bardo,
o único talvez capaz de romper as barreiras do nosso paroquialismo
para atingir os grandes espaços da poesia universal afirmou certa
vez: “Agora que ficou chato ser moderno/serei eterno”. Em 1985,
quando lançada a segunda edição de seus “Contos Plausíveis”,
o poeta disse em entrevista que tinha medo de, publicado Amor
Natural, ser chamado de “velho bandalho”. “Há no Brasil –
não sei se no mundo -, no momento, uma onda que não é de erotismo.
É de pornografia”, acrescentou Drummond. “Eu não gostaria que
meus poemas fossem rotulados de pornográficos”. Os poemas pouco
acrescentam à obra do poeta, que sempre foi abençoado por Eros.
-----------------------------------------------------------------------
Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do
nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas),
Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau
Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em
frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28,
Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor
Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro
Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)
2 comentários:
Muito bom ler nossos poetas e escritores brasileiros, quem nao ama Drummond de Andrade.
Postar um comentário