Toda
coletividade cultiva um sistema de valores e normas morais que
definem o bem e o mal, o certo e o errado, as virtudes e os vícios.
A ética aponta para a construção da pessoa, enriquecimento do ser
como pessoa. Ao longo do processo histórico, as esferas da sociedade
como a política, a religião, a arte, a ciência, vão adquirindo
sua própria autonomia. A religião e a ética perdem a hegemonia que
exerciam sobre a sociedade tradicional. De forma mais radical, com o
avançar do processo, a economia assume papel dominante e subordina a
seus interesses as outras esferas sociais, inclusive a ética.
Os
fatores da crise ética da nossa sociedade têm gerado a falta de
honestidade, a corrupção, o abuso do poder, a exploração
institucionalizada e a violência. Há uma ruptura entre o indivíduo
que se fecha sobre si mesmo e a vida pública e os valores comuns,
sobre as quais se ergue a sociedade.
A
pesquisa "Retrato da Ética no Brasil" (jornal Folha de
S.Paulo, 04/10/2009), informa que nosso país, no que diz respeito a
atitudes corruptas e corruptoras “vale mais o faça o que eu falo e
não o que eu faço. Para uma ética de verdade em primeiro lugar
estou eu e meus próximos (família e comunidade a que pertenço)".
É muito
fácil dizer que os políticos são corruptos (porque muitos deles
fazem questão de dar exemplos todos os dias), porém é preciso
reconhecer que na correção do problema, e principalmente em viver
de modo ético, sou eu que estou em primeiro lugar.
Por isso
insisto que a política, a questão ética na sociedade, somente se
resolverão pela cultura, ou seja aquele espaço de sociedade onde
vivo e que essa mudança de postura diante da vida, dos outros com
quem convivo no trabalho ou na vizinhança, tem de ser uma realidade
hoje. Esse processo evidentemente é educativo, por isso temos sempre
apontado aqui que entre todas as prioridades sociais a maior é a da
urgência educativa.
Um país
em que os eleitores trocam voto por dinheiro, emprego ou presente e
acreditam que seus concidadãos fazem o mesmo costumeiramente; um
país em que os eleitores aceitam a ideia de que não se faz política
sem corrupção; um país assim deveria ser obra de ficção, como em
"Os Bruzundangas" (Ediouro), livro de Lima Barreto de 1923.
Mas o Brasil da prática cotidiana parece mais com Bruzundanga do que
com a Escandinávia.
A
pesquisa do Datafolha (2009) tem o mérito de colocar em foco
problema crucial nacional. Uma discussão sobre se o Brasil deve
seguir Bruzundanga. A obra que retrata a República dos Estados
Unidos da Bruzundanga foi lançada no ano seguinte à morte de Afonso
Henriques de Lima Barreto (1881-1922), autor consagrado por livros
como "Triste Fim de Policarpo Quaresma".
"O
valo de separação entre o político e a população que tem de
dirigir faz-se cada vez mais profundo. A nação acaba não mais
compreendendo a massa dos dirigentes, não lhe entendendo estes a
alma, as necessidades, as qualidades e as possibilidades",
escreveu Lima Barreto. E concluiu: "Um povo tem o governo que
merece".
O triunfo
do velho faça-o-que-eu-digo-não-faça-o-que-eu-faço é a principal
revelação da pesquisa do Datafolha, porque ela dá uma medida de
como estamos longe de distinguir o público e o privado e do quanto
são escorregadios nossos “marcadores éticos e morais“, para
usar uma expressão do filósofo Renato Lessa.
O
desfazimento da hipocrisia perversa com que tocamos nossas vidas em
sociedade completa-se, agora sim, com um perfil bem conhecido. Somos
todos igualmente hipócritas, mas alguns podem mais por debaixo dos
panos da moral e da ética: Os homens (86%) transgridem mais do que
as mulheres (80%), os jovens 16 a 34 anos (91%) mais do que os mais
velhos, e os mais ricos e mais estudados são, é claro, os que têm
as maiores taxas de infrações (97% dos que ganham mais de 10
mínimos assumem ter cometido infrações e 93% daqueles que têm
ensino superior também).
O retrato
é péssimo, em suma, mas indica a necessidade de tratarmos da
transgressão das regras. A educação TEM QUE abandonar a superfície
das regras e mergulhar na problematização da sabotagem do que essas
regras representam. Ficam aí as pistas e os por ques do confronto
que deve ser promovido.
O
escritor Ruy Espinheira Filho escreveu um artigo no jornal A Tarde
(Um longo desfile bem impressionante, 20/09/2012) onde diz que “não
dá para entender o fato de tanta gente se achar merecedora de votos,
já que em sua maioria não realizou nada, e visivelmente
despreparada, mal dotada intelectualmente e sem reconhecimento de
alguma virtude de caráter moral. Trata-se de fenômeno, claro, de
nosso modelo político, de baixíssima exigência e apenas
interessado em qualquer que seja possível ´puxada de votos´ para
os partidos”. Está aí uma explicação clara sobre a situação
política do país, hoje!
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