O dia amanheceu nublado com pancadas de chuva. Aviso: isto não é nenhum serviço metereológico. Aquela chuvinha fina que molha o orvalho, que limpa a cidade, que purifica o ar e acaba com a poluição. A brisa fresca soprava na cidade adormecida. As ruas estava, vazias, o silencio pairava no ar. Aos poucos, algumas pessoas começaram a passar pelas ruas, depois o movimento cresceu, as pessoas andaram de um lado e do outro, apressadas, os carros iniciaram suas corridas loucas pela estrada, o silencio foi cortado. Gente para o trabalho, gente para a escola, gente para a feira. A chuva foi diminuindo, as nuvens desapareceram e o sol veio iluminar mais um dia na vida de todos. O sol nasceu, mas não rompeu a cortina de nuvens. Era um desses dias prateados, cheios de luminosidade e calor.
Estava assim da janela a olhar as pessoas com minha máquina fotográfica, não a mesma do tempo de adolescente, mas outra, mais possante. O tempo e eu a olhar, tranquilo, sem nenhuma preocupação. Restavam, alguns dias de férias do trabalho e aproveitava para fotografar gente simplesmente. Nisso, uma pessoa estranha cruzou a rua e veio em minha direção, a multidão passava um pelo outro apressados no passeio. Resolvi bater uma foto, era a última da máquina.
Como já havia tirado várias, fui descansar e, à tarde, que chegou luminosa e quente como todas as outras, revelei as fotos quando me deparo com a última, a do rapaz novato da cidade. Tenho certeza de já ter visto aquele rosto...pensei. Sim, lembro-me agora...na revista Vogue, sim, manequim da revista. Creio que tenho uma aqui. E revirando os jornais, encontrei a revista, folheei rápido e olhei algumas fotos de modelo de inverno para homens. Lá estava ele, os olhos azuis e a figura apolínea garantindo-lhe sua carreira profissional. Mais um turista na velha Bahia.
A noite fria e melancólica chegou, abri a janela e fiquei a olhar as pessoas. Ele estava lá em frente, parado. Suas roupas dançavam ao som do vento. Vestia-se com uma calça creme e uma camisa alva, desnudando o peito sem pelos. Sua idade era um enigma. Em seu rosto não havia idade. Ele era sem que se pudesse atribuir. Não era rosto de criança, não era rosto de homem, não era rosto de velho, era o rosto de uma pessoa colhido num instante.
Decifrar aonde teria estado antes daquela idade seria difícil, pois ele tinha um só sorriso para todas as horas. Seus cabelos castanhos e cobre, seus olhos esverdeados faziam um contraste com a pele quase morena. É alto, mais para magro, mas nem tanto, “fausse maigre”, para ser preciso. Usa óculos e vendo-se uma vez não mais se esquece.
Na semana seguinte, acordei mais cedo a fim de retornar ao trabalho e parti para a redação. Encontrei o mesmo rapaz dos dias anteriores conversando com o chefe da redação. Este me chamou para entrevistar o manequim e assistir a uma apresentação de desfile de moda masculina. Não era a primeira vez que escrevia para jornal, desde que iniciei uma série de artigos sobre música popular, o chefe deixou-me livre não só com a máquina fotográfica, mas com o lápis, a mente e o papel. Apresentamo-nos para a entrevista, e me surpreendeu aquele moço afável, bem diferente do que se imagina, que vai respondendo com uma franqueza de quem ainda não foi atingido pelo sucesso.
-- Como é que você se envolveu em manequim?
-- Sempre me interessei por moda, mas foi mesmo por acaso que fui contratado para posar na capa de uma revista. Nessa época, ganhava tão pouco que nem podia pensar. Mas outras publicações começaram a me oferecer ofertas para desfilar com modelos novos e fui aceitando. Trabalho para Photography Agency como modelo, e não manequim como andam anunciando, pois manequim é quem desfila e já não faço mais isso, e sim, publicidade em revistas e jornais, e também como ator em comerciais de televisão.
-- E sobre garotas, o que achou das mulatas daqui?
-- Adoro as meninas que não usam uma sombra de maquilagem, deixar o cabelo natural, usam vestidos simples e compridos, andam descalças. Em geral a mulher brasileira ainda quer um apartamento, um carro, tudo o que as mulheres europeias estão tratando de jogar fora, e se isolar numa ilha.
Ele usava uma camisa esporte de tons muito vivos e calças largas. Parecia mais jovem, com seu cabelo castanho cor de cobre e escovado, seus gestos animados e desinibidos, seu sorriso tão franco e inocente quanto o de uma criança. No caminho, começamos a conversar....
-- Sabe – falou-me -, Salvador é a reprodução religiosa da atual Roma decadente.
-- Esta é a primeira vez que veio à nossa terra?, perguntei.
-- Sim, isto aqui é realmente belo demais, acho que não só ficarei uma temporada, como resolverei instalar-me por aqui.
-- Ótimo – exclamei -, logo assim teremos novidades em moda masculina.
Fiquei sabendo, no decorrer da conversa, que seu nome era Cláudio e nascera no Paraná, mais precisamente em Londrina. Daí em diante tornamo-nos amigos. Enquanto conversávamos, verifiquei que ia aprendendo muitas coisas referentes a ele. Por exemplo, deu-se conta de que ele não morava com os pais, era muito tímido apesar das grandes manchetes publicitárias em revistas e jornais de que era alvo. O que mais me impressionou no rapaz, na verdade, nada tinha do sexo indicado pelo vestuário, quase de forma feminina, apesar de falar másculo, suavizando ao máximo a voz.
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Estamos publicando um folhetim com 16 capítulos dessa história escrita em 1975------------------------------------------------
Logo depois dos festejos juninos até final de agosto o blog vai ser invadido pelos quadrinhos. Aguardem!!!
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