Há 139 anos (1878) o Vaticano deixava de
usar homens emasculados no seu coral. Numa época em que o palco da ópera era
proibido às mulheres, o talento dos eunucos (homens castrados) encantava as
exigentes platéias da Europa. Desde a antiguidade até tempos recentes, homens
sexualmente mutilados foram usados para vigiar haréns, fazer tarefas domésticas
ou servir como espiões para reis e imperadores. Eram comuns em Roma, na Grécia,
no norte da África, nas terras bíblicas e na Índia. Até mesmo a Europa do
século XVIII idolatrava os castrati, cantores que tinham sido emasculados na infância
para preservar sua voz masculina de soprano.
O Vaticano, por exemplo, só deixou de
usar homens emasculados no seu coral em 1878. Entretanto, em nenhum outro lugar
os eunucos tiveram uma importância histórica tão grande quanto nos palácios da
China Imperial. A partir do século VIII e, provavelmente até antes disso,
homens sexualmente mutilados serviam o detentor do "mandato do céu",
suas inúmeras esposas e concubinas. Desde tempos remotos e especialmente depois
do advento do confucionismo, os chineses exigiam severa "pureza"
moral das suas mulheres. E verdadeiras hordas de eunucos eram empregadas para
vigiar a castidade das suas esposas e concubinas. Homens "inteiros"
eram mortos se simplesmente se aproximassem do harém, uma vez que a certeza da
paternidade era essencial para os governantes. Do contrário, não haveria
descendentes para honrá-los por meio do culto dos ancestrais, quebrando assim a
frágil harmonia entre o Céu e a Terra.
Por causa da sua proximidade dos
governantes, o que lhes permitia influenciar e conseguir favores especiais dos
soberanos, e por não poderem constituir família, os eunucos eram a única força
política que escapava às restrições do mundo oficial. Por isso, eram odiados
pela classe dos mandarins. Mas apesar da forte oposição, os eunucos não
perderam sua importância e poder de influência. Ao contrário de outros lugares,
os eunucos chineses não eram apenas castrados, mas totalmente emasculados. Um
número enorme de meninos era comprado das suas famílias, emasculado e levado ao
palácio onde serviam as mulheres do harém e os jovens príncipes.
Muitas damas da corte tinham esses
meninos eunucos como animais de estimação. Seu órgão amputado era chamado de
"pao" ou "precioso". Preservado num vaso hermeticamente
selado, era realmente muito valorizado pelo eunuco, pois a cada vez que ele era
promovido tinha de exibir sua preciosidade e ser reexaminado pelo eunuco chefe.
Se o pao fosse perdido ou roubado, nessa ocasião ele tinha de comprar outro na
clínica que realizava castrações ou alugar o "precioso" de outro
eunuco. Também era vital que o órgão fosse enterrado com ele numa tentativa de
ludibriar os deuses, fazendo-os acreditar que ele era um homem
"inteiro". Do contrário, ele iria para o além como uma mula.
GUARDIÕES DE PALÁCIOS
A palavra Eunuco se refere a homens
castrados que guardavam Haréns de Sultões na Ásia. O costume de empregar homens
eunucos como guardiões de palácios, de tesouros, de haréns e de exércitos é
bastante antigo. Os sultões otomanos, na realidade, adotaram este costume dos
Imperadores Bizantinos, nas cortes de Constantinopla. Os eunucos comumente
ascendiam a posições de elevada hierarquia e posição política nas cortes onde
serviam. Os eunucos mais famosos da História são: Mordecai, Hegai, Saasgaz,
Ebede-Meleque, o Eunuco da Rainha de Candace e o General Narses de Bizâncio.
O mais famoso castrato do século XVIII
terá sido Carlo Broschi, conhecido por Farinelli, tendo sido realizado um filme
sobre a sua vida, Farinelli il Castrato. O filme "Farinelli", de
Gérard Corbiau (1994) focaliza a vida do mítico cantor italiano Carlo Broschi
(1705-1782), que iniciou sua carreira ao lado do irmão, o pianista Ricardo
Broschi. Fora aluno de Nicola Porpora e ganhou muito prestígio em toda a
Europa. Aparece como um galã, de olhar triste e solitário, que encerrou
carreira como cantor exclusivo do rei Felipe V da Espanha, que o contratou
porque seu canto era a única coisa que o tirava da depressão.
"Cry to heaven" é uma obra de
Anne Rice de 1982, que descreve a vida de "castrati" italianos,
cantores de ópera, na sociedade do séc. XVIII. Homens que foram adulados por
multidões, como hoje o são os ídolos pop, sujeitos de paixões por homens e
mulheres, mas que, no entanto, não deixavam de ser considerados apenas como
meios-homens (ou meio-humanos). (Texto publicado neste blog dia 20 de maio de
2008)
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