23 agosto 2017

Pratt, o Mozart dos quadrinhos

Foram 68 anos de vida. Hugo Pratt (1927/1995) buscava os elementos para suas narrativas à maneira de um repórter, vivendo de fato as aventuras. Ele acreditava que podia penetrar em seus mundos paralelos e conhecer de perto a matéria-prima de que eram feitos os sonhos. E assim viveu na Argentina, Etiópia, França, Venezuela, Inglaterra, Itália, Estados Unidos e Brasil. Aqui ele esteve em São Paulo, Mato Grosso, Selva Amazônicas e Bahia. E na terra de todos os santos ficou fascinado pelo misticismo. Quem deseja conhecer um pouco desse Pratt místico deve ler “Sob o Signo de Capricórnio” onde boa parte da história acontece entre a Bahia e o Xingu.


Ele teve uma infância veneziana. Nasceu na Itália (Rimini) a 15 de junho de 1927. Em 1937 até 1943 viveu uma adolescência etíope. Em dezembro de 1945, Marco Faustinelli, Alberto Ongaro e Pratt lançaram um jornal de quadrinhos, Asso di Picche (Ás de Espadas). O jornal foi bem sucedido e, em pouco meses juntaram outros desenhistas como Dino Battaglia, Rinaldo d´Ami e Paulo Campani. Depois de viajar por diversos países, chega na Argentina em 1949 e é lá que ele conheceu sua futura esposa, Anne Frognier, de origem belga, que ante fora modelo para sua historieta Ann de la Jungle (antes ele casou com Gucky Wogerer). De 1962 a 1970 morou wem Veneza. Trabalhou para o semanário infantil Corriere dei Piccoli (62 a 67), depois para a revista de quadrinhos Sgt. Kirk (67 a 69).

Em 1955 faz amizade com o jazzista Dizzy Gillespie e mais tarde deu cursos de desenhos na Escola Panamericana de Arte, do amigo Enrique Lipszyc. Em 1959 ele parte para a Inglaterra. Não durou muito. Ele recordava de sua assistente, Gisela Dester, um grande amor. Um geminiano com ascendente em escorpião pode explicar suas aventuras com belas mulheres pelo mundo afora.




Sobre sua viagem ao Brasil o próprio Pratt conta na entrevista a Dominique Petitfaux no livro O Desejo de Ser Inútil: “Nos anos 1962-1966, o Brasil foi um país que contou muito para mim. Tinha ido lá uma primeira vez a partir da Argentina, em 1957, depois, em 1962, no caminho de Buenos Aires para Lisboa, durante uma longa escala no Rio, eu tinha circulado pelo Brasil. A minha idéia era encontrar Lipszyc, que estava em São Paulo para aí fundar uma nova escola de desenho. Enrique Lipszyc era amigo de Raimundo Lisboa, um antigo oficial da polícia política e que tinha muitas relações de amizade com prostitutas e marginais. Foi por intermédio de Lisboa que em Salvador da Bahia travei conhecimento com a cartomante Bouche Dorée, que me inspirou para dar uma das personagens de Corto Maltese, e uma das irmãs Dos Santos, umas negras soberbas versadas em magia. As Dos Santos tornaram-se a minha família da Bahia, e quando passo pelo Brasil, não deixo de as visitar. Como umas das meninas Dos Santos, uma mãe-de-santo, tive mesmo, em 1965, uma filha, uma bela mestiça, Victoriana Aureliana Gloriana. Quando a reconheci oficialmente como minha filha, reconheci ao mesmo tempo e os filhos ilegítimos das quatro irmãs, dando aos rapazes nomes de presidentes dos Estados Unidos. E eis como, em Salvador da Bahia, se pode hoje encontrar um Lincoln Pratt, um Wilson Pratt ou um Washington Pratt”.


O marinheiro cool e sofisticado Corto Maltese, espécie de alter ego, surgiu em 1967 (há 50 anos na revista Sgt. Kirk de julho de 67 a fevereiro de 69) na aventura “A Balada do Mar Salgado”. Maltese, filho de uma prostituta espanhola e um marinheiro inglês, fez sucesso em mais de 15 línguas. “Quando quero relaxar leio Engels, quando quero viajar leio Corto Maltese”, disse certa vez Umberto Eco. A partir de 1970 começou a colaborar com o semanário francês Pif. Em fevereiro de 1973 começou a publicar no jornal Tintim os primeiro episódios da série Os Escorpiões do Deserto. Em 1974 a revista Linus publica Corto Maltese na Sibéria. Em 1976 figurou no filme La Nuit de la marée haute. Em 78 participou em dois outros filmes: Caro lei quando c´era Lui e Blue Nude. Antes, em 1971 o documentário sobre ele, Os Mares da Minha Fantasia, de Ernesto Laura, foi apresentado no Festival de Cannes. Em 1981 vai a África com Jean-Claude Guilbert fazer um filme sobre ele: La Balade plus loin.


“A morte de Hugo Pratt marca o fim de uma determinada qualidade de quadrinhos que durante décadas se manteve na Europa. O que mais impressionava em sua obra era a combinação de sua arte maravilhosa e da dramaticidade de sua narrativa. Além disso, ele foi o primeiro autor que conheci que se dedicava realmente a fazer pesquisas e buscar referências para suas histórias, de modo a torná-las críveis, aceitáveis”, comentou o quadrinhista Joe Kubert. Pratt também tinha entre seus admiradores, Guido Crepax, o pai da Valentina, Frank Miller (O Cavaleiro das Trevas), Milo Manara (que foi seu aluno), Woody Allen, François Mitterrand, Fontanarrosa, Calou e Vittorio Giardino, que disse que Pratt equivalia a Mozart no mundo dos quadrinhos.



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