Foram 68 anos de vida.
Hugo Pratt (1927/1995) buscava os elementos para suas narrativas à maneira de
um repórter, vivendo de fato as aventuras. Ele acreditava que podia penetrar em
seus mundos paralelos e conhecer de perto a matéria-prima de que eram feitos os
sonhos. E assim viveu na Argentina, Etiópia, França, Venezuela, Inglaterra,
Itália, Estados Unidos e Brasil. Aqui ele esteve em São Paulo, Mato Grosso,
Selva Amazônicas e Bahia. E na terra de todos os santos ficou fascinado pelo
misticismo. Quem deseja conhecer um pouco desse Pratt místico deve ler “Sob o
Signo de Capricórnio” onde boa parte da história acontece entre a Bahia e o
Xingu.
Ele teve uma infância
veneziana. Nasceu na Itália (Rimini) a 15 de junho de 1927. Em 1937 até 1943
viveu uma adolescência etíope. Em dezembro de 1945, Marco Faustinelli, Alberto
Ongaro e Pratt lançaram um jornal de quadrinhos, Asso di Picche (Ás de
Espadas). O jornal foi bem sucedido e, em pouco meses juntaram outros
desenhistas como Dino Battaglia, Rinaldo d´Ami e Paulo Campani. Depois de
viajar por diversos países, chega na Argentina em 1949 e é lá que ele conheceu
sua futura esposa, Anne Frognier, de origem belga, que ante fora modelo para
sua historieta Ann de la Jungle (antes ele casou com Gucky Wogerer). De 1962 a
1970 morou wem Veneza. Trabalhou para o semanário infantil Corriere dei Piccoli
(62 a 67), depois para a revista de quadrinhos Sgt. Kirk (67 a 69).
Em 1955 faz amizade com
o jazzista Dizzy Gillespie e mais tarde deu cursos de desenhos na Escola
Panamericana de Arte, do amigo Enrique Lipszyc. Em 1959 ele parte para a
Inglaterra. Não durou muito. Ele recordava de sua assistente, Gisela Dester, um
grande amor. Um geminiano com ascendente em escorpião pode explicar suas aventuras
com belas mulheres pelo mundo afora.
Sobre sua viagem ao
Brasil o próprio Pratt conta na entrevista a Dominique Petitfaux no livro O
Desejo de Ser Inútil: “Nos anos 1962-1966, o Brasil foi um país que contou
muito para mim. Tinha ido lá uma primeira vez a partir da Argentina, em 1957,
depois, em 1962, no caminho de Buenos Aires para Lisboa, durante uma longa
escala no Rio, eu tinha circulado pelo Brasil. A minha idéia era encontrar
Lipszyc, que estava em São Paulo para aí fundar uma nova escola de desenho.
Enrique Lipszyc era amigo de Raimundo Lisboa, um antigo oficial da polícia
política e que tinha muitas relações de amizade com prostitutas e marginais.
Foi por intermédio de Lisboa que em Salvador da Bahia travei conhecimento com a
cartomante Bouche Dorée, que me inspirou para dar uma das personagens de Corto
Maltese, e uma das irmãs Dos Santos, umas negras soberbas versadas em magia. As
Dos Santos tornaram-se a minha família da Bahia, e quando passo pelo Brasil,
não deixo de as visitar. Como umas das meninas Dos Santos, uma mãe-de-santo,
tive mesmo, em 1965, uma filha, uma bela mestiça, Victoriana Aureliana
Gloriana. Quando a reconheci oficialmente como minha filha, reconheci ao mesmo
tempo e os filhos ilegítimos das quatro irmãs, dando aos rapazes nomes de
presidentes dos Estados Unidos. E eis como, em Salvador da Bahia, se pode hoje
encontrar um Lincoln Pratt, um Wilson Pratt ou um Washington Pratt”.
O marinheiro cool e
sofisticado Corto Maltese, espécie de alter ego, surgiu em 1967 (há 50 anos na
revista Sgt. Kirk de julho de 67 a fevereiro de 69) na aventura “A Balada do
Mar Salgado”. Maltese, filho de uma prostituta espanhola e um marinheiro
inglês, fez sucesso em mais de 15 línguas. “Quando quero relaxar leio Engels,
quando quero viajar leio Corto Maltese”, disse certa vez Umberto Eco. A partir
de 1970 começou a colaborar com o semanário francês Pif. Em fevereiro de 1973
começou a publicar no jornal Tintim os primeiro episódios da série Os
Escorpiões do Deserto. Em 1974 a revista Linus publica Corto Maltese na
Sibéria. Em 1976 figurou no filme La Nuit de la marée haute. Em 78 participou
em dois outros filmes: Caro lei quando c´era Lui e Blue Nude. Antes, em 1971 o
documentário sobre ele, Os Mares da Minha Fantasia, de Ernesto Laura, foi apresentado
no Festival de Cannes. Em 1981 vai a África com Jean-Claude Guilbert fazer um
filme sobre ele: La Balade plus loin.
“A morte de Hugo Pratt
marca o fim de uma determinada qualidade de quadrinhos que durante décadas se
manteve na Europa. O que mais impressionava em sua obra era a combinação de sua
arte maravilhosa e da dramaticidade de sua narrativa. Além disso, ele foi o
primeiro autor que conheci que se dedicava realmente a fazer pesquisas e buscar
referências para suas histórias, de modo a torná-las críveis, aceitáveis”,
comentou o quadrinhista Joe Kubert. Pratt também tinha entre seus admiradores,
Guido Crepax, o pai da Valentina, Frank Miller (O Cavaleiro das Trevas), Milo
Manara (que foi seu aluno), Woody Allen, François Mitterrand, Fontanarrosa, Calou
e Vittorio Giardino, que disse que Pratt equivalia a Mozart no mundo dos
quadrinhos.
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