Produto típico
da cultura de massa
e, mais especificamente,
da cultura jornalística,
a história emquadrinhos,
principalmente a norte-americana,
é, essencialmente, pautada
pelas normas que regulam
o consumo de massa
– menor custo versus
maior benefício, e, principalmente,
pelos valores burgueses
que custeiam a indústria
cultural. Ou seja,
a HQ é um
produto, porém um
produto cultural, do
qual emergem discursos
e deles os sentidos,
as representações, enfim,
os valores.
No capitulo
intitulado O Mito do Superman, Eco (em
seu estudo semiológico
da cultura de massa
e dos meios de
comunicação) narra alguns
episódios que ilustram
bem o poder de
persuasão das histórias
em quadrinhos. São casos
de autores que tiveram
que declarar publicamente,
levados por enxurradas
de cartas de leitores
descontentes, razões pelas
quais haviam criado ou
eliminado este ou
aquele personagem. As mortes
nos quadrinhos que são
publicados por jornais
junto aos obituários
e pelas quais universidades
e escolas públicas respeitam
um minuto de silencio,
enfim, toda uma gama
de reações as quais,
Eco nos lembra, já
aconteciam em séculos
passados, quando leitores
indignados escreviam
aos autores de seus
feuilletons favoritos
lhes cobrando esta ou
aquela atitude perante algum
personagem mais carismático.
O que há de
novo no caso da
reação às histórias
em quadrinhos é a
forma maciça como esta
é esquecida pela escola
como recurso pedagógico.
A comunidade de leitores
fiéis não só vibra
e acompanha as peripécias
de seus personagens
como também, fenômeno
mais recente, consome produtos
nos quais estes apareçam
reproduzidos ou que
faça alusão a eles.
Eco concluiu que a
leitura de quadrinhos
alcançou um grau
de inserção na sociedade
contemporânea comparável
apenas ás figuras mitológicas.
A civilização
de massa oferece-nos
um exemplo evidente de
mitificação na produção
dos massa
media e,
em particular, na indústria
das comic strips, as “estórias
em quadrinhos”:(...) aqui
assistimos à participação
popular de um
repertório mitológico
claramente instituído
de cima, isto é,
criado por uma indústria
jornalística, porém particularmente
sensível aos caprichos
do seu público, cuja
exigência precisa enfrentar
(Eco, 1979, p. 244). Essa
exigência que
precisa ser continuamente
enfrentada, essa constante
manobra entre uma
linguagem e seu
público consumidor
imprime certa flexibilidade
aos quadrinhos, ou melhor
diríamos, certa dificuldade
de rotulá-los dentro
de um gênero, com
características fixas, facilmente
identificáveis, e que
as instituições escolares
não podem fechar os
olhos para esta importante
ferramenta educacional.
O interesse
social das histórias
em quadrinhos provém, entre
outras causas, da criação
de uma exuberante
mitologia de vasta
aceitação popular. No
caso das HQs, ao
contrário do cinema,
devido à sua liberdade
de criação não subordinada
ao naturalismo fotográfico
nem ao físico de
uns atores, condicionados
além disso pelas suas
atitudes e seu
envelhecimento físico (apesar
de hoje o cinema,
através dos novos
“truques” digitais,
consegue se aproximar
e muito da magia
do quadrinho), assistiu-se
à criação de uma
família de heróis
e super-heróis de
dimensão tão fantástica
que pareciam impróprio
(na época) da moderna
era científica (hoje é
possível através da
clonagem) e só
tem paralelo com o
das velhas mitologias
orientais e greco-latinas.
Inicialmente,
a narrativa épica dos
comic bebeu nas fontes
da literatura popular, para
desenvolver alguns gêneros
homólogos aos já
existentes. No decorrer
do seu processo de
desenvolvimento conseguiu
associar-se ao
rádio, cinema, tevê, game
entre outras mídias para
proporcionar ao público
aventuras estimulantes,
situadas em paragens
exóticas (como a
África ou a Índia),
afastadas no tempo
(o medievo do Príncipe
Valente, ou o
mundo futuro de Flash
Gordon) ou baseadas numa
profissão excitante
e pouco rotineira
(detetive, agente secreto,
piloto aéreo). O caráter
insólito (ou seja,
não quotidiano) de tais
aventuras, protagonizadas
por personagens graciosos,
robustos e sagazes,
além de invencíveis
(isto é, humanamente
invejáveis), agiu como
estimulante evasão compensatória
da rotina e das
frustrações quotidianas
sofridas pelo público
leitor e garantiu-lhe
popularidade.
Não é
ocioso recordar que o
gênero épico nos quadrinhos
se desenvolveu a
partir de 1929, quer
dizer, do ano ingrato
em que se iniciou
a grande crise econômica
mundial, resultante
do crack financeiro
de Wall Street, que
abriu um período de
austeridade, quando não
de miséria urbana. Daqui
a enérgica função consoladora,
no plano da imaginação
preenchida pelos quadrinhos
épicos e pelos respectivos
heróis, não diversa da
consumada pelo romance
popular ou pelos
filmes de aventuras.
À maneira de sonhos
impressos sobre papel,
os quadrinhos abriram as
portas da fantasia ao
público leitor, com
deslocações a continentes
longínquos, selvas tropicais,
aventuras aéreas e
proezas sem conta
que, no plano da
fantasia, consumavam
quanto poderia desejar um
cidadão frustrado
numa medíocre, sedentária
e pouco estimulante
vida privada (GUBERN, 1979, p.20,
21 e 22).
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