As
histórias em quadrinhos
apresentam-se como
mídia financeiramente acessível,
democrática eabrangente
em matéria de popularidade,
e preparam o cérebro
humano para a apropriação
de uma ampla oferta
de bens culturais.
A distinção entre alta
e baixa cultura é
uma página virada, que
não deixa lugar nem
para apocalípticos, nem
para integrados. No livro
Apocalípticos e Integrados,
Umberto Eco (1979) relaciona
as diversas “peças de
acusação” e também
as de “defesa” para
em seguida fazer uma
reflexão sobre o
tema. Em nenhum momento,
Eco toma partido de
apocalípticos ou integrados,
mas oferece uma análise
livre de preconceitos,
que, no fim, sugere
alternativas para o
que chama de uma
utilização valorativa
dos meios de comunicação
de massa.
Confrontando
as diversas características
“pró” e “contra”, Eco
afirma ser possível perceber
que os níveis culturais
são complementares, o
que significa que podemos
chegar aos biscoitos
finos de Oswald de
Andrade pela cultura
de massas. Ele chama
a atenção para a
raiz aristocrática da
crítica à cultura
de massas, como nostalgia
de uma época em
que os valores da
cultura eram privilégio
de uma classe, mas
que agora se difundiram
junto a massas que
não tinham acesso aos
bens de cultura. A
cultura de massas
se desenvolveu diante
da crise de um
modelo cultural anterior. E,
se hoje o excesso
de informações sobre
o presente pode distorcer
o que os conservadores
chamam de “consciência
histórica”, antes não
havia nem isso para
a maioria, o que
impossibilitava sua inserção
na sociedade. A tão
criticada homogeneização
dos gostos também pode
ter servido para eliminar
algumas diferenças
de castas, ao mesmo
tempo que permitiu uma
produção cultural que
barateasse os custos.
Enfim, diante de “prós”
e “contras”, Umberto
Eco sugere que a
problemática de apologistas
e integrados foi mal
formulada. Para Eco
não se deve perguntar
se a cultura de
massas é boa o
ruim, mas como se
pode veicular valores culturais
em seus meios de
difusão. Estes valores
seriam definidos e veiculados
por uma comunidade
de cultura, formada por
intérpretes das sociedades
em que vivem, constituindo-se
em grupos de pressão
sobre o mercado. Esta
seria uma relação dialética
e não paterno elitista,
na medida em que
uns interpretariam as
exigências e instâncias
dos outros. Fica clara
a ideia que Umberto
Eco faz de sua
pólis. A discussão
em torno de seu
texto permanece atual, embora,
hoje, não haja mais
espaço para a divisão
entre apocalípticos e
integrados, já que
a paisagem tecnológica
se sobrepõe ao real,
praticamente nos obrigando
a refletir em cima
dela. A sociedade
já está impregnada
pela estetização (até
mesmo virtual), pela culturalização
da realidade. As superfícies
já se transformaram
em interfaces de um
universo tecnocultural.
E os limites se
converteram em passagens.
Os
estudos de Richard
Hoggart, Raymond Williams
e Stuart Hall articularam-se
contra as concepções
elitistas de cultura.
A subdivisão entre cultura
de elite, cultura de
massas e cultura popular
torna-se muito mais
frágil, com a legitimação
dos saberes que todos
os membros da civilização
produzem, enfatizando
também o domínio político
que direciona a própria
produção cultural. Esses estudiosos
redirecionaram a teoria
da Comunicação, por
meio da inserção do
povo como elemento fundamental
da cultura. Para eles,
e muitos outros, a
cultura é emanada
das vivências, das relações
inter pessoais e das
histórias de vida,
ou seja, do modo
de vida social. Entre
os teóricos latinos que
resgataram o conceito
de mediação (desenvolvido
pelo soviético Lev Vygotsky
nos anos 1930), definido
como o estabelecimento
da relação inter-pessoal
que perpetua e renova
a cultura, por meio
da linguagem estão Jesus
Martin Barbero, Nestor Garcia
Canclini e Guilhermo
Orozco Gomes.
Estudiosos como Nestor
Garcia Canclini, nos recentes
aportes dos Estudos
Culturais, elencam as
histórias em quadrinhos
como bens culturais
de vital importância
para a Cultura. Através
desta reconciliação, foi
possível a uma
comunidade internacional
de pesquisadores da
pedagogia neo piagetiana
inserir, finalmente,
as histórias em quadrinhos
nas práticas pedagógicas.
Mesmo assim, ainda há
o conceito da história
em quadrinhos como literatura
intermediária, precursora
da leitura de obras
bibliográficas ditas “superiores”,
como livros, jornais e
revistas. Aparentemente,
existe uma associação
estranha entre o
valor de um bem
cultural e sua
reprodutibilidade técnica, que
prejudica o estabelecimento
de políticas culturais
voltadas para a
indústria cultural. Para
Nestor Garcia Canclini,
Sem dúvida, é necessário
expandir o apoio
à literatura e às
artes não industrializadas,
mas no final do
século XX não parece
convincente dizer que
estamos promovendo
o desenvolvimento e
a integração cultural quando
carecemos de políticas
públicas para os
meios de comunicação
de massa, através dos
quais 90% dos habitantes
do continente (americano)
se entretêm e se
informam (CANCLINI,
1997, p. 211).
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