Em um artigo (Paradas de Sucesso Periférico), o estudioso de música Hermano Vianna escreveu que “cada vez mais, a periferia toma conta de tudo. Não é mais o centro que inclui a periferia. A periferia agora inclui o centro. E o centro, excluído de festa, se transforma na periferia da periferia”. Para o crítico musical, as periferias das cidades inventam com velocidade impressionante novos circuitos culturais, e novas soluções econômicas – por mais precárias ou informais que sejam – para dar sustentabilidade para essas invenções. Os circuitos festivos proliferam na informalidade. Os camelôs e intermediários se aliaram aos músicos com contratos de exclusividade e uma nova indústria fonográfica central está nascendo.
Essas festas colocam o povo para dançar e as músicas não são as mais tocadas no radio nem aparecem em programas de televisão e não são lançadas pelas grandes gravadoras. Estão no mercado informal, nos camelôs. Um mercado que pouco a pouco se espalha por toda a cidade. Seja o lambadão cuiabano, o funk carioca, o arrocha baiano, o foro de Manaus ou o reggae do Maranhão. A periferia, com essa tecnologia, inventou culturas digitalizadas que conseguiu desenvolver por si próprio seus projetos de lazer.
Pistas importantes foram oferecidas por Nestor Garcia Canclini (1998) e Renato Ortiz (1999): a de que a formação cultural brasileira é eminentemente híbrida e portanto nossa cultura popular também. Nosso capitalismo, por ser incipiente, fez com que nossa indústria cultural tenha se forjado de maneira ímpar, num processo de hibridização muito profundo, com campos de produção pouco autônomos e a contraditória interpenetração de seus agentes.
Essa música emergente é hibrida, incorpora várias matrizes culturais, com uma grande ênfase na cultura popular. Essa cultura popular mantem em uso diversas formulas culturais (musicais, corporais, de linguagem oral, literárias, hábitos de comer e vestir, etc). Afinal, a música é um importante meio para que essa cultura continue tendo vigência e mantenha sua disputa na sociedade.
O gosto pela música, sua associação com festas populares e a relação de entrega e envolvimento que as pessoas têm com ela. São alguns dos elementos para a construção da identidade musical da terra. Música e dança constituem uma parte importante do cotidiano dos escravos. E o ciclo de festas na Bahia oitocentista era numeroso e, segundo Verger, pelo calendário litúrgico, começava em 04 de dezembro com a Festa de Santa Bárbara, e terminava, ao fim de dezenas de eventos, a 15 de agosto, com a Festa de Nossa Senhora da Boa Morte (1981, p.73-93).
Usar a criatividade e a capacidade de improvisar era um exercício frequente. As bandas de barbeiros (negros livre ou libertos que “cultivavam a música de orelha, nas horas vagas. BRASIL, 1969, p.86), por exemplo, eram conhecidas, tanto pelo seu instrumental variado e improvisado, quanto pela qualidade e versatilidade de seus executantes.
Do ponto de vista dos intelectuais da época, as canções e histórias que o povo cantavam e contava eram primitivas, ingênuas, sem rebuscamento, mas cheias de verdade e sentimento. Para a pesquisadora Márcia Abreu, “o popular propicia, ainda hoje, algum encanto, mas a ele é reservado um lugar bem delimitado: o lugar do folclórico, do exótico, do primitivo. Nas aulas de literatura pouco ou nada se estuda sobre as composições regionais. Elas têm mais chance nos estudos sociológicos e antropológicos” (2006, p.34).
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