07 dezembro 2011

As representações femininas no pagode baiano da década de 90 (7)

Produzidas pelos grupos Pagodart e Furacão 2000, baiano e carioca, respectivamente, as músicas “Tapa na Cara” e “Tapinha” pregam o esbofeteamento de mulheres, refletindo e reforçando o imaginário coletivo em relação à violência, segundo especialistas. E isso numa sociedade que produz índices alarmantes de atentados à vida. O levantamento “O Rastro da Violência em Salvador II”, realizado pelo Fórum Comunitário de Combate à violência, lançado em 2003, demonstra que 269 mulheres foram assassinadas na capital baiana, entre 1997 e 2001. Os números são espantosos, mas o que está por trás deles é mais revelador. O mesmo estudo reconhece a dificuldade de identificar os tipos de violência não-letais, enfatizando que a cada quatro minutos uma mulher soteropolitana é agredida dentro do seu próprio lar por uma pessoa com quem mantêm relação de afeto.


Outra abordagem de 2002, produzida pela Casa da Cultura da Mulher Negra, deixa claro que para cada homicídio resultante de violência doméstica, há centenas de vítimas que não morreram, mas foram feridas por armas de fogo, espancadas, queimadas ou estupradas – ao procurarem tratamento médico, as vítimas são tratadas como portadoras de outros problemas. A apelação presentes nas músicas “Tapa na Cara” e “Tapinha” reforça a violência simbólica e física de gênero. A relação de submissão feminina implícita (muitas vezes explícita) nas canções seria reproduzida no dia-a-dia, fazendo com que as mulheres aceitem a situação com naturalidade (não é à toa que muitas entoam alegremente os refrões discriminatórios). Só a conscientização por meio da educação será capaz de reverter o quadro.


A coordenadora-executiva da Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Virgínia Feix, moveu uma ação civil pública contra as gravadoras Sony Music e Furacão 2000 (via Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul) exigindo indenização buscando a defesa do interesse coletivo, que teria sido afetado por letras tidas como ofensivas às mulheres. A denúncia contra as gravadoras, ocorridas em junho de 2001, baseou-se na Constituição Federal e na Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, de 1994), da qual o Brasil é signatário desde 27 de novembro de 1995.


A advogada revela dados de uma pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento, de 1998, que aponta uma perda de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional por causa da violência contra a mulher. Esses fatos, entre outras razões, “ocorre por conta dos gastos para o tratamento das vítimas, faltas no trabalho e diminuição da expectativa de vida”. Ao mesmo tempo, ela salienta a necessidade de estancar a violência no nascedouro, “ou seja, através da educação escolar e familiar e da não-reprodução da violência em produtos culturais e na mídia, que não devem ser censurados”.


Os argumentos contra e a favor desse tipo de música se multiplicam. O primeiro grupo do contra, moralista, condena o uso de “palavras obscenas” e “gestos lascivos”. Com base nesse argumento teríamos que crucificar uma ampla linguagem de autores, alguns deles malditos até hoje passando por Gregório de Mattos, Bocagem, Plínio Marcos e Carlos Drummond de Andrade. No outro lado estão aqueles que “tudo pode”, e identificam no funk uma manifestação popular. Considera-se popular aquilo que o povo fala, a linguagem das ruas, o que escapa à norma culta. É uma concepção caricatural de povo e cultura popular. A moda vai passar como já passaram outras, mas o problema é que cada uma dessas novas ondas contribui para depreciar um pouco mais a relação do ser humano com seu próprio corpo, para banalizar a relação sexual, para industrializar o erotismo e criar comportamentos de massa que são a negação da sexualidade naquilo que ela tem de mais singular e individual. São gestos, ritmos, versos padronizados, produzidos em série para um público condicionado a não pensar.


Um traço tipicamente brasileiro da cultura do funk é a adoração ao par de músculos chamados gluteus maximus – o bumbum, ou “popozão”, no linguajar da tribo. A Popuzuda foi cantada em verso e prosa pelos funkeiros, além de enaltecida nas coreografias cujo “passo” fundamental é empinar o traseiro. Assim a dança sempre esteve presente em todos os rituais de acasalamento, em todos os tempos. Num papo de sedução, os machos se exibem provocativamente – usando roupas justas e rebolando na pista de dança tanto quanto as fêmeas. Nas letras das músicas as mulheres se colocam como sexualmente ativas – seja a “cachorra”, que diz tomar a iniciativa de transar com quem quiser, quando quiser, e até ter mais de um namorado; seja a “preparada”, que se apresenta como uma verdadeira enciclopédia sexual. A classificação é por animais – predadores (o tigre e a cachorra) e suas presas (potrancas e tchutchucas). São jovens que sofrem de baixa auto-estima, por conta da exclusão social. O baile traz uma compensação, cheia de charme e energia, onde não há lei nem família. A energia é desviada para o corpo. O corpo é a arma na guerra do sexo. Para muitos, o erotismo veio salvar os bailes funk do excesso de violência.

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Um comentário:

Leandro Moraes disse...

Comparar plínio marcos com funk e pagode? A principal diferença é que estes autores usavam, muito bem, a estrutura de suas obras. E estrutura é algo muito maior que escrever um simples palavrão nas falas das personagens. Portanto, você simplifica e diminui estes autores para compará-los os funk ou pagode. O que já mostra que estas formas de música são lixo. Pois, não usam nem 10% do que a música pode oferecer, são estilos musicais muito limitados.