14 dezembro 2011

O que é que a música baiana tem? (2)

Um dos divulgadores do lundu em Portugal e que causou furor na corte portuguesa foi o mulato brasileiro, filho de um português com uma angolana: Domingos Caldas Barbosa, apelidado de Lereno Selinuntino. Ele cantava lundus e modinhas com temas picantes, maliciosos e humorísticos acompanhado de sua viola de arama. O lundu se consolida como um gênero de música popular de caráter malicioso, humorístico e de crítica social a partir do século XIX nas ruas, tabernas, festas populares, teatro de costumes e também nos salões aristocráticos


Os gêneros musicais como polca, lundus, maxixes e modinhas ocupavam um lugar de aguda inferiorização no cenário musical brasileiro, numa primeira fase da fonografia, anterior à popularização do rádio. Apesar de compostos, tocados e consumidos também por setores das elites urbanas, formavam um conjunto de musicas para as quais havia pouca seriedade, algum desconforto e, com frequência, violenta repressão.


“Num processo contínuo de tensas negociações culturais, a música popular vai aos poucos saindo de uma posição altamente marginal para o centro da indústria de massa do período que, apesar de sabidamente incipiente (ORTIZ, 1999), iniciava sua implantação tentacular na sociedade brasileira. Protagonista deste processo, o samba irá se afirmar como uma ´coisa nossa´ entre as décadas de 1920 e 1940, consolidando-se aos poucos como uma espécie de patrimônio cultural nacional. Com poderoso apoio do rádio e do governo federal, o gênero torna-se elemento central de uma identidade nacional (republicana e urbana) em construção (TATIT, 2004, VIANNA, 1995)”, revela o professor Felipe Trotta em seu trabalho “Critérios de qualidade na música popular: o caso do samba brasileiro.


Para o estudioso, “o processo de legitimação do samba na sociedade brasileira não chegou a atingir sua plenitude. Fortemente vinculado ao seu contexto de formação, o gênero vem lutando desde suas origens contra uma latente rejeição ligada, entre outras coisas, à questão étnica. Como prática musical criada por uma população de baixa renda das periferias da cidade do Rio de Janeiro, majoritariamente constituída por negros e mulatos, o estereotipo racista que legitimou séculos de escravidão permanecia à época de sua nacionalização (e até hoje) bastante presente no imaginário compartilhado da população, impedindo voos mais altos nas lutas por legitimidade (p.130/131).


E num depoimento contundente, o sambista carioca Moacyr Luz fornece detalhes sobre esse papel hierárquico inferiorizado – até hoje – do samba e do sambista: “É uma coisa assim; o jazz é elegante, o samba é deselegante; o tropicalismo é moderno, o samba é antiquadro; a bossa nova é fina, o samba é escrachado; a MPB do Chico Buarque e do Caetano é intelectual, o samba é intuitivo. Qualquer comparação que for se tratar sempre o samba é levado a uma categoria menor. É curioso isso!. Você diz assim ´eu sou compositor´ é uma coisa. E de repente vem uma coisa assim: ´Ah, você é sambista!´, essa palavra ela vem cercada de preconceito. É impressionante isso!”, depoimento pessoal ao autor em 4/4/2005 (p.133).


Trotta conclui: “A imensa rede de argumentações positivas e negativas sobre as práticas musicais oferece um panorama sobre o terreno pedregoso das avaliações estéticas. Porém, uma coisa é certa: julgar é inevitável. Afinal, o que Steven Connor classifica como o ´imperativo do valor´ nos impele a uma ´orientação irredutível para o melhor e uma repulsa ao pior´(1994, p.12), estabelecendo um conjunto de disposições estéticas e étnicas que moldam nossa vida social. E são exatamente esses julgamentos que fazem do campo da cultura não uma seara transparente e agradável de experiência coletiva, mas um território de conflitos agudos, negociações de divergências e agressões simbólicas (e, algumas vezes, físicas). A tensão entre o campo ideológico dos critérios legítimos e a trincheira tão antagônica dos outros critérios aqui discutidos é um pequeno exemplo desta arena de embates que pode ser muito dura, mas é, sem dúvida, fascinante” (p.134)

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