Em meados dos anos 80 surgiram sucessivas danças e modas no carnaval da Bahia que culminaram na chamada axé music. A música afro-pop baiana, chamada pela mídia de axé-music, é o encontro da música dos blocos de trio com a música dos blocos afros, ou seja, em linhas gerais, a mistura do frevo-baiano com o samba-reggae. Daniela Mercury, Margareth Menezes e Ivete Sangalo saíram do carnaval baiano para se projetar nacionalmente como as grandes divas da axé-music na última década do século XX. Luis Caldas estourou com “Fricote” (1985) cuja letra diz: “Pega ela aí, pega ela ai/pra quê pra passar batom/de que cor de violeta/na boca e na bochecha/pega ela ai, pega ela ai/pra quê pra passar batom/de que cor de cor azul/na boca e na porta do céu”.
Em 1989 Sarajane ficou gravada no Brasil inteiro por causa da música “A Roda” (Sarajane/Robson de Jesus/Alfredo Moura): “Vamos abrir a roda, enlarguecer/ta ficando apertadinha/por favor, bre a rodinha...”. E a lambada que era dançada no norte do país com nomes como carimbo e sirinbó, na Bahia ganhou um tempero de regue e samba de roda. E assim depois do fricote, vem o tititi, a dança da galinha, do crocodilo, do Mike Tyrom (1988) e tantas outras. Em 1997 a Cozinha do Pagode lança “Na dança do strip-tease” onde o sucesso é “na boquinha da garrafa”.
E a cada verão, novas modas. Em 1991 o baiano Zé Paulo estourou com o “Rala o pinto”. Veio o verão do “Requebra” do Olodum (1994), e no ano seguinte o país parou para dançar a dança da garrafa, obra da Companhia do Pagode que emplacou o samba de roda pop “Na boquinha da garrafa”. A tal garrafa ficava na posição fálica sobre o chão e a mulher dançava agachando-se até quase tocar na sua ponta... Ainda em 1995 apareceu o grupo Gera Samba com o sucesso “É o tchan” (Melo do tchan, de Bieco do Tchan e Cisinho) cuja letra com ritmo de samba de roda diz: “Tudo que é perfeito a gente pega pelo braço/joga lá no meio/mete em cima/mete em baixo/depois de nove meses você vê o resultado::Segura o tchan/amarra o tchan/segura o tchan, tchan, tchan, tchan, tchan”. E assim falar de sexo na música passou a ser trivial.
A dança sempre foi uma das principais imagens utilizadas pelo pagode e, nesse processo, as curvas e requebros femininos gozavam de maior apelo. No início do ano 2000 os vocalistas das bandas de pagodes da Bahia passaram a se destacar como figuras desejadas, e mostraram que também têm suingue no pé e na pelve e roubaram a cena das dançarinas. Os fenômenos da popularidade como Harmonia do Samba (Xandy) e Bom Balanço (Pierre Onasis) até dispensaram a presença das garotas. Até o grupo É o Tchan – que teve sua imagem estourada graças ao papel das bailarinas – chegou a causar frisson com o vocalista Beto Jamaica, que mais tarde prosseguiu em carreira solo.
No início da febre “bunda music” baiana os clones de Carla Perez eram quase obrigatório para que os grupos pudessem assinar contrato com as grandes gravadoras. Depois o erotismo feminino passou a não ser suficiente para garantir a vendagem de milhares de cópias. Como ainda não havia um símbolo sexual masculino na história do gênero, a gravadora investiu em Xandy, nome até então desconhecido de Salvador. Colocado como líder do grupo Harmonia do Samba mais por sua presença de palco do que por seus limitados dotes vocais, suas coreografias garantiram, a venda de milhares de CDs em poucos meses. Com letras que giram em torno de um mesmo tema (o convite ao sexo), o ritmo distorce o samba duro e uma mesma seqüência harmônica de quatro acordes em faixas como “Vem Neném”, “Nova Dança”, “Rebolado”, “Elevador”, entre outras.
Em 2001 o funk carioca explode na véspera do Carnaval. “Um tapinha não dói” é a conclusão. O Axé Music foi substituída pela batida eletrônica e refrões como “vou passar cerol na mão”. O funk fez juz ao refrão “ta tudo dominado” durante todo o verão de 2001. O Bonde do Tigrão capitaneou a invasão do ritmo em todo o Brasil. Já na periferia carioca, o funk desceu o morro para animar festinhas nos condomínios de classe média e alta. Rádios e programas de tevê dedicaram parte da programação a esse ritmo feito, originalmente, para expressar denúncias sociais de jovens sem acesso ao lazer e bens de consumo.
O resultado foi um apelo erótico associado ao funk, decorrente da cultura machista do movimento. Letras de música como “Máquina do Sexo” (“...bonde do sexo anal/eu transo igual a um animal/a chatuba come cu e depois como xereca/rança cabaço, e o bonde dos carecas”) ou “Barraco III”( “me chama de cachorra, que eu faço au-au....”) foram gravadas rapidamente e lançadas no mercado, ditando padrões de comportamento. Mulheres adolescentes imitavam coreografias vulgares e latiam ao ser chamada de cachorra. Seriam o tédio, o hedonismo ou a alienação? Enquanto alguns jovens exercem a cidadania em ações comunitárias, outros, entediados, preferem usufruir o “carpe diem” (aproveite o dia presente). E não se pode esquecer também que, uma vez gestada pela tevê, a geração de 90 cospe todo o lixo que recebe. A vulgarização explorada à exaustão pela mídia ante uma sociedade apática e passiva, não demonstraria uma postura de submissão das peladonas mas, sim, a ridicularização do homem.
Cada uma dessas novas ondas contribui para depreciar um pouco mais a relação do ser humano com seu próprio corpo, para banalizara relação sexual, para industrializar o erotismo e criar comportamento de nome que são, de fato, a negação da sexualidade naquilo que ela tem de mais condicionados. Gestos, ritmos, versos padronizados, produzido sem série para um público condicionado a não pensar. Depois do boom de 2001, com o Bonde do Tigrão, a Dança da Motinha e congêneres, o funk ainda conseguiu se expandir e já chegou ao México, Chile e Venezuela. A senha para a dança frenética, suada e sem compromisso conhecida como funk (gíria dos negros para o mau cheiro) descende dos lamentos negros e rurais do blues, passando pelo rhythm and blues e soul. O foco é na bateria sincopada e baixo elétrico como resposta melódica. Juntos eles fazem o grove, o balanço.
---------------------------------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário