02 dezembro 2011

As representações femininas no pagode baiano da década de 90 (4)

4. SENSUALIDADE DO SAMBA


O samba estava nos quilombos, nos engenhos, nas plantações, nas cidades como uma demonstração de resistência ao imperativo social (escravagista) de redução do corpo negro a uma máquina produtiva. Corpos enérgicos e sensuais – a exuberância narcísica do negro como negação da tentativa de redução do corpo a mero instrumento produtivo. E esse corpo humano se afirma, em sua vitalidade e beleza, num ambiente sonoro-percussivo de criação africano. Assim, a África se faz presente na roda de samba que se abre do lado de cá do Atlântico Sul.


As danças rituais constituem representações alegóricas. As cenas da vida dos casados, dançadas durante a cerimônia culminante do casamento teria que incluir, necessariamente, referências explícitas aos jogos amorosos e atos sexuais. O samba ou umbigadas é uma delas. Para o pesquisador José Ramos Tinhorão (Os Sons dos Negros no Brasil), as três primeiras danças criadas por brancos e mestiços do Brasil a partir da matéria-prima do ritmo e da coreografia crioulo-africana dos batuques foram, pela ordem, a fofa, o lundu e o fado.


A fofa e o lundu pouco se diferenciavam um do outro. Ambos tiravam dos batuques duas contribuições negro-africanas que mais se distinguiam: os meneios de corpo julgados indecentes do Congo, na fofa, e a alegre irreverência das umbigadas de Angola, no lundu. A fofa era apenas dança, enquanto o lundu era o repetido canto de um estribilho geralmente marcado pelo ritmo de palmas, ao qual, com o passar do tempo, iriam acrescentar estrofes acompanhadas de viola, fazendo nascer o lundu-canção.


Da sensualidade do samba ao envolvimento sexual propriamente dito, muitas vezes não era necessário dar mais do que um passo. O lundu e a umbigada já eram, na verdade, prefigurações do ato sexual. Convites explícitos aos prazeres do sexo. Missionários e viajantes se mostravam empenhados com essa disposição para a festa e o nosso “caráter” lascivo. O lundu foi o primeiro gênero afro-brasileiro da nossa canção popular. Misturando melodia e harmonia européia com ritmos africanos chegou-se numa dança sensual que mais tarde deu origem à música do lundu, como gênero musical alegre e de versos satíricos e maliciosos.

Na segunda metade do século XIX surgiu um novo ritmo: o maxixe. Trata-se de uma dança que deu origem mais tarde a uma música cheia de letras de duplo sentido, com clara reverência ao sexo. Por volta de 1870 a 1880 em meio a modinhas, lundus, xotes, valsas e polcas o maxixe já trazia uma carga ainda mais forte de erotismo. Foi a primeira dança urbana brasileira, descendente do tronco habanera tango espanhol, adaptado à sincopação afro-brasileira. A música escandalizou as nossas elites de católicos. O maxixe era considerado licencioso e imoral. Um dos significados da palavra maxixe vinha a ser “fruto comestível de uma fruta rasteira”, uma palavra associada, na época, a tudo o que fosse também rasteiro e de última categoria. E como toda repressão gera intensidade, o maxixe se espalhou rapidamente e difundiu-se por todo o país, principalmente por meio do teatro de revista. Um bom exemplo é o maxixe mais famoso do período, o “Corta jaca”, de Chiquinha Gonzaga, lançado em 1895 na opereta-brasileira “Zizinha Maxixe”.


E se o apelo sexual de nossas danças e a irreverência do nosso povo estavam presentes no final do século XVIII com o lundu, esquentaram com o maxixe e persistem até hoje, mais despojado, com o funk, o pagode e o arrocha. Tanto o maxixe quanto o funk surgiram na periferia, sem interferência direta da indústria cultural.

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