27 dezembro 2011

O mar da vida (2)

“O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”. Há um registro de poesia popular no pior momento da seca de 1887, na Paraíba que diz: “É-me preciso mudar/ Da terra que amo e moro/Terra que muito adoro,/ A minha pátria natal/Magino na beira-mar,/ Me entristece o coração,/Lagadiço, lameirão,/Pois a fome não é peca,/Nesta tão terrível seca,/ Foge, povo do sertão!” Os compositores Sá e Guarabira profetizaram: Vão mexer no rio São Francisco. “O homem chega já desfaz a natureza/Tira gente põe represa, diz que tudo vai mudar /O São Francisco lá pra cima da Bahia/ Diz que dia menos dia, vai subir bem devagar/E passo a passo, vai cumprindo a profecia/ Do beato que dizia que o sertão ia alagar/O sertão vai virar mar/ Dói no coração/ o medo que algum dia/O mar também vire sertão”.


A água potável é um recurso finito, que se reparte desigualmente pela superfície terrestre. Em seu ciclo natural a água é um recurso renovável, mas suas reservas não são ilimitadas. Diversos especialistas têm alertado que, se o consumo continuar crescendo como nas últimas décadas, todas as águas superficiais do planeta estarão comprometidas daqui a alguns anos. A carência de água é resultado da combinação de efeitos naturais, demográficos, sócio-econômicos e até culturais. Chuvas escassas, alto crescimento demográfico, desperdício e poluição de mananciais se combinam para gerar uma situação denominada de “estresse hídrico”.


A escassez de água em áreas do mundo, especialmente no Oriente Médio, tem feito surgir tensões geopolíticas geradas por conta da disputa pelo domínio e utilização de fontes de água, especialmente rios, quando estes atravessam regiões de vários Estados. Um dos pontos da explosiva Questão Palestina diz respeito à utilização das fontes hídricas existentes na Cisjordânia, região localizada junto ao baixo vale do rio Jordão. Síria, Iraque e Turquia há muito tempo vêm tendo desavenças sérias no que diz respeito à utilização das águas dos rios Tigre e Eufrates, que têm suas nascentes em território turco mas, que cruzam áreas dos outros dois países. Muitos especialistas já chegam a afirmar que os eventuais conflitos que ocorrerem no Oriente Médio ao longo do século XXI serão causados cada vez mais pela água e cada vez menos pelo petróleo.


Apesar de 75% da superfície do planeta ser recoberta por massas líquidas, a água doce não representa mais que 3% desse total. O problema é que apenas um terço da água (presente nos rios, lagos, lençóis freáticos superficiais e atmosfera) é acessível. O restante está imobilizado nas geleiras, calotas polares e lençóis freáticos profundos. Atualmente cerca de 50% das terras emersas já enfrentam um estado de penúria em água. De cada cinco seres humanos, um está privado de água de boa qualidade para consumo e cerca de metade dos habitantes do planeta não dispõe de uma rede de abastecimento satisfatória. Ao longo do século XX, a população mundial foi multiplicada por três, as superfícies irrigadas por seis e o consumo global de água por sete. Ao mesmo tempo, nas últimas cinco décadas, a poluição dos mananciais reduziu as reservas hídricas em um terço.


Os recursos disponíveis atualmente poderiam ser utilizados de forma mais eficaz se fossem reduzidas a poluição, desenvolvidos processos de reciclagem das águas, houvesse uma melhor conservação das redes de distribuição, fosse evitado o desperdício e aceleradas as pesquisas sobre culturas agrícolas menos exigentes à água e mais tolerantes ao sal. A dessalinização da água do mar só é realizada em poucos países e, mesmo assim, as quantidades obtidas não cobrem as grandes necessidades.


Quatro grandes bacias hidrográficas – Amazônica, Tocantins-Araguaia, São Francisco e Paraná - são responsáveis por 85% de nossa produção hídrica. Apesar do Brasil possuir abundância de águas superficiais, esses recursos hídricos não estão distribuídos eqüitativamente pelo território. A aparente abundância de água no Brasil tem sustentado uma cultura de desperdícios, enquanto legitima a carência de investimentos em programas de uso e proteção de mananciais.


O Brasil celebrou em janeiro deste ano uma década de sanção da Lei das Águas, que criou a Política Nacional de Recursos Hídricos. Um dos poucos centros dessa lei – inspirada no modelo francês, que permite a administração participativa e descentralizada dos recursos hídricos – estabelece que a gestão deve ser realizada por bacia hidrográfica e que a água passa a ter valor econômico. Na opinião de especialistas no tema, mesmo com a vigência por dez nos da Lei das Águas, atualmente a gestão dos recursos hídricos no Brasil ainda é incipiente. Uma das principais falhas apontadas se refere à pequena participação pública nos comitês de bacias.


“E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida:/vê-la desfiar seu fio,/ que também se chama vida,/ver a fábrica que ela mesma,/ teimosamente, se fabrica,/vê-la brotar como há pouco/ em nova vida explodida;/mesmo quando é assim pequena/ a explosão , como a ocorrida;/mesmo quando é uma explosão/ como a de pouco, franzina;/mesmo quando é uma explosão/ de uma vida severina” (Morte e Vida Severina:auto de Natal pernambucano,de João Cabral de Melo Neto)

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