“Contar e ouvir histórias é fundamental para os seres humanos; parte de nosso genoma, por assim dizer (...) A história é feita de palavras. Palavras são fundamentais para quem escreve, como a madeira, a serra, o martelo, os pregos, para o marceneiro”, escreveu o escritor gaúcho Moacyr Scliar no seu 75º livro “O Texto, ou: a Vida – Uma Trajetória Literária” e que encerra a obra de um modo fluente, delicioso, revelador: “Para isto servem as palavras, para estabelecer laços entre as pessoas – e para criar beleza.Pelo que elas devemos ser eternamente gratos”. Para o escritor mexicano Guillermo Arriaga, “a palavra é o que permite ao homem continuar existindo, o que facilita o progresso da sociedade. Sem a palavra, o homem não teria prosperado, não haveria computador ou celular. O livro foi o salto mais alto da civilização”, opina.
No CD “De Repente”, Moraes Moreira e Fred Góes, na canção “Palavra de Poeta” cita Drummond, Gregório de Matos, Quintana, Pessoa, sempre enaltecendo a palavra, encerrando com os versos “ê a palavra é o som/a palavra ê/a palavra é o dom/a palavra é o bem dizer”.Já na nona faixa, “Na Boca do Povo”, numa mistura criativa de ritmos ele canta em um dos versos: ”Dona palavra me disse/que só no dicionário;parada ela não fica/só nesse vocabulário/só no que significa/caiu na boca do ovo/ganhou um sentido novo/ganhou um novo sentido”.
Segundo o cantor e compositor baiano que uniu rap e repente, “a idéia é unir tradição e modernidade, rap, repente e cordel e explorar da crônica na música falada, na poesia cantada. Quis fazer essa mistura para mostrar que a música não tem fronteiras: as mesmas referências podem estar nos Estados Unidos ou no Nordeste. O artista deve ter uma visão planetária da cultura mantendo suas raízes regionais”, analisa Moraes. Alguém que desvela seu tempo em suas canções, músicas que falam do mundo de hoje, retratam como um jornal, o dia-a-dia da sociedade, a maneira de pensar das pessoas, seus movimentos, suas vidas. Nessa referência encontro nela o dado fundamental da fusão de palavras e som. Uma está inteiramente conectada com a outra.
A importância das palavras vem desde os tempos antigos. Górgias, sofista grego, no “Elogio de Helena”, escreveu: “Com a palavra se fundam as cidades, se fazem portos, se comanda exércitos e se governa o Estado”. Aristóteles, na Política, sublinha que é cidadão “aquele a quem é concedido o direito de deliberar”. Assim, há uma estreita relação entre a linguagem e a dimensão social e política do homem. Diógenes Laércio, no século III, dizia: “A linguagem é a voz que manifesta aquilo que a coisa era ou é”. Nietzsche, instituindo o perspectivismo, afirma que a linguagem não manifesta o que as coisas são, mas o nosso ponto de vista, a nossa perspectiva relativamente às coisas ou fatos. Heidegger defende que o mundo revela-se pelas palavras: o que não tem nome não é conhecido. Por isso, assegura que “a linguagem é a casa do ser”.
Roland Barthes salienta o desejo de domínio (disfarçado) que se exerce pela comunicação. E afirma: “a palavra, enquanto instrumento, é símbolo de poder (...) Nada a fazer: a linguagem é sempre poder, falar é exercer uma vontade de poder. No espaço da fala, nenhuma inocência, nenhuma esperança”. Esta “vontade de poder”, no entender de Barthes, encontra-se na argumentação e na própria sedução pela palavra. Wittgenstein considera que é no uso que damos às palavras que encontramos o seu significado. E para compreender o uso é preciso entender o "jogo de linguagem" que integra o que é dito. Habermas fala de uma ética da comunicação. A razão comunicativa deve orientar-se por amor à verdade, dever de sinceridade e abertura à refutação na procura das melhores razões. Define a razão comunicativa como uma razão solidária: os melhores consensos devem promover uma solidariedade na ação.
No princípio era o verbo. Ao longo dos tempos sentimos, crescemos, aprendemos, ensinamos, partilhamos, descobrimos e fomos nas palavras e com as palavras. Todo o animal vê, só nós falamos. Esse foi o dom, mas parece que estamos perdendo isso. Devido à velocidade com que as informações chegam, as pessoas perderam o costume de ouvir, de escutar. Não existe mais uma ação do ser humano preparada para a escuta, para receber os estímulos que vêm de fora, para depois haver a resposta. Muitas vezes a informação entra, nem passa pelo organismo da pessoa, e ela já está colocando para fora essa informação, como uma informação verdadeira. Ou, muitas vezes, ela já tem uma opinião preconcebida e não permite que a informação chegue à sua totalidade.
A criação do Museu da Língua
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