Valor do Nordestino (Bráulio Tavares e Zelito Miranda)
Pois é, quando a gente bota o pé na estrada é que a gente sabe de fato o que é ser nordestino. Claro, existe vários nordestes: tem o nordeste dos bem sucedidos, dos capas pretas, dos macomunados, tem o nordeste cultural, o nordeste dos cantadores, trovadores, violeiros, cangaceiros, contadores de causos e artista de muita arte, tem o nordeste da beira-mar, beira-de-rio o nordeste do turismo e da riqueza tão mal explorada. Tem o nordeste dos lunáticos, dos loucos de juízo mole, dos andarilhos que perambulam em canoas quebradas pisando em mangue seco, viajando pelo cosmo em busca da Chapada Diamantina. Lapão, Mucuges Lençóis mas temo Raso da Catarina. Tem o nordeste do cerrado, da caatinga seca, mas com uma riqueza sem par, o nordeste do cacau. Esse é o nordeste da biodiversidade, o nordeste cantado em verso e prosa, é o nordeste da musica, dos butuques, dos caboclinhos , dos maracatus, dos calumbís, dos carnaval, do forro, ah! o forró que faz do S. João a maior festa do Brasil. E por falar no Brasil, digo e repito, o nordeste poderia ser um grande país independente. Mas não é somente deste nordeste que eu quero falar, eu quero falar também é de um outro nordeste que apesar da sua riqueza mantém uma legião de trabalhadores que constroem esse grande país, com a pior divisão de renda. Disseram que o nordestino é acima de tudo um forte, eu também acho, o nordestino já virou Corisco, virou Lampião virou Macunaíma deu até presidente da república mas agora o nordestino vira suco todos os dias expremido na espremedeira da cidade grande, é, o nordestino que constrói esse Brasil vaca leitera dos corruptos, dos populistas que traem o povo se locupletando com o suor das classes que de fato produzem vejam só:
Quem vê tanta avenida e edifício
Construção, catedral e viaduto
Muitas vezes não pensa no matuto
Que lutou com suor e sacrifício
Exercendo a dureza do ofício
Sem pensar em medalhas nem troféu
Confiando que alguém de lá do céu
Compensasse o rigor do seu destino
Se não fosse o valor do nordestino
Quando vem lá do norte ele não passa
De mais um João-ninguém desempregado
E com tudo que vê fica espantado
Com a pressa o barulho e a fumaça
Vai dormir sobre o banco de uma praça
Sem emprego a vagar de déu em déu
Se cobrindo com as folhas de papel
De um jornal semanário ou matutino
Se não fosse o valor do nordestino
A cidade possui um ar cinzento
Que irrita a garganta e o pulmão
E no meio de tal poluição
Se eleva a floresta de cimento
Espigão de escritório e apartamento
Tem a torto a direito e a granel
E quem faz essas torres de babel
É o nortista migrante e peregrino
Se não fosse o valor do nordestino
Ele fez pavilhões do Morumbi
Fez Congonhas e Ibirapuera
Interlagos e Via Anhanguera
O hotel Hilton o Othon o Normandie
Ele fez os degraus do Morumbi
Onde a massa alvi –negra da fiel
Aos domingos faz festa e escarcéu
Grita solta bomba canta hino
Se não fosse o valor do nordestino
Nordestino
É tratado de um jeito diferente
Pois aqui no nordeste toda gente
Tem respeito ao seu nome e sua cara
Mas no sul é chamado pau-de-arara
Paraíba Baiano ou tabaréu
Quando fala com gente de anel
Só lhe trata Zé ou Severino
Se não fosse o valor do nordestino
Houve um tempo que o homem do sertão
Quando estava faminto e injustiçado
Tinha o rifle o facão bem amolado
E virava Corisco ou Lampião
Hoje em dia ele vem de caminhão
Chega aqui constrói clube e faz hotel
Mas vem lendo um folheto de cordel
Que é prá não se esquecer de Virgulino
Se não fosse o valor do nordestino
Eu Quero Meu País (Zelito Miranda)
Eu quero meu sertão
Eu quero meu país
O povo nordestino
Tá querendo é ser feliz
Eu vejo tanta coisa
O mundo tá virado
Tem diaba sem caçola
Tem surfista afogado
Tem doutor pedindo esmola
Tudo isso está errado
Tem criança sem escola
Picareta diplomado
É tanto estupro
Tanta peste tanto golpe
Falta emprego é tanto corte
Ataque do coração
No marca passo
O governo só atocha
Depois que a coisa arrocha
Da diarréia meu irmão
Dá caganeirada lumbago
Dá cirrose
Há quem morra de overdose
E o sertão vai virar mar
Virar deserto
Vai virar um assum preto
Se ninguém lhe der um jeito
O sertão vai se afogar
Vai vai o sertão vai se afogar
Os Deuses de Hoje. Segundo soneto (Bruno Tolentino)
É preciso que a música aparente
no vaso harmonizado pelo oleiro
seja perfeitamente consistente
com o gesto interior, seu companheiro
e fazedor. O vaso encerra o cheiro
e os ritmos da terra e da semente
porque antes de ser forma foi primeiro
humildade de barro paciente.
Deus, que concebe o cântaro e o separa
da argila lentamente, foi fazendo
do meu aprendizado o Seu compêndio
de opacidades cada vez mais claras,
e com silêncios sempre mais esplêndidos
foi limando, aguçando o que escutara.
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