A preocupação política sempre foi uma constante na obra do cantor e compositor Gilberto Gil. Mas a sensibilidade do artista, aguçada por ricas experiências pessoais e por uma rara sintonia com o mundo a seu redor, levou-o a alargar e a aprofundar essa postura, entrelaçando-a ao próprio cotidiano. Já em seu primeiro disco, “Louvação”, ele pulava fora do convencional. Assim ele define sua Procissão: “Olha, lá vai passando a procissão/se arrastando que nem cobra pelo chão”. Afinal, comparar uma procissão à cobra que se arrasta pelo chão anunciava a chegada de um poeta da MPB.
“Olha lá vai passando a procissão/se arrastando que nem cobra pelo chão/as pessoas que nela vão passando/acreditam nas coisas lá do céu/as mulheres cantando tiram versos/os homens escutando tiram o chapéu/eles vivem penando aqui na terra/esperando o que Jesus prometeu//E Jesus prometeu vida melhor/pra quem vive nesse mundo sem amor/só depois de entregar o corpo ao chão/só depois de morrer neste sertão/eu também tô do lado de Jesus/só que acho que ele se esqueceu/de dizer que na terra a gente tem/de arranjar um jeitinho pra viver//Muita gente se arvora a ser Deus/e promete tanta coisa pro sertão/que vai dar um vestido pra Maria/e promete um roçado pro João/entra ano, sai ano, e nada vem/meu sertão continua ao deus-dará/mas se existe Jesus no firmamento/cá na terra isto tem que se acabar” (Procissão)
Desde seu elepê de estréia, Gil mostrou que não ia se contentar com o convencional. Tanto que já nesse disco ele surpreendia com “Lunik
Também desta primeira fase estão as canções “Roda”, de Gil e Torquato Neto, e “Ele Falava Nisso Todo o Dia”. Esta última sobre um personagem preocupado com o seguro de vida. É pelo protesto que Gil se identifica com o despertar de uma geração. Uma canção que causou impacto pela complexidade construtiva: “Domingo no Parque”. O forte da música é o arranjo que Gil e Rogério Duprat realizaram, segundo uma concepção cinematográfica, assim como a interpretação contraponteada de Gil. Letra, música, sons, ruídos, palavras e gritos são sincronizados, interpenetrando-se como vozes em rotação para narrar uma tragédia amorosa, vivida em ambiente popular. “Domingo no Parque” ficou em segundo lugar no 3º Festival da Record,
“O rei da brincadeira (ê, José)/o rei da confusão (ê, João)/um trabalhava na feira (ê, José)/outro na construção (ê, João)//A semana passada, no fim da semana/João resolveu não brigar/no domingo de tarde saiu apressado/e não foi pra Ribeira jogar capoeira/não foi pra lá, pra Ribeira, foi namorar/o José como sempre no fim da semana/guardou a barraca e sumiu/foi fazer no domingo um passeio no parque/lá perto da Boca do Rio/foi no parque que ele avistou Juliana/foi que ele viu/foi que ele viu Juliana na roda com João/uma rosa e um sorvete na mão/Juliana seu sonho, uma ilusão/Juliana e o amigo João/o espinho da rosa feriu Zé/e o sorvete gelou seu coração/o sorvete e a rosa (ô, José)/a rosa e o sorvete (ô, José)/foi dançando no peito (ô, José)/do José brincalhão (ô, José)//O sorvete e a rosa (ô, José)/a rosa e o sorvete (ô, José)/oi, girando na mente (ô, José)/do José brincalhão (ô, José) Juliana girando (oi, girando)/oi, na roda gigante (oi, girando)/oi, na roda gigante (oi, girando)/o amigo João (João)/o sorvete é morango (é vermelho)/oi girando e a rosa (é vermelha)/oi, girando, girando (é vermelha)/oi, girando, girando...//Olha a faca! (olha a faca!)/olha o sangue na mão (ê, José)/Juliana no chão (ê, José)/outro corpo caído (ê, José)/seu amigo João (ê, José)/amanhã não tem feira (ê, José)/não tem mais construção (ê, João)/não tem mais brincadeira (ê, José)/não tem mais confusão (ê João)...(Domingo no Parque)
Em 1967, com o som dos Beatles na cuca e toda a ebulição da época, contracultura e psicodelismo, Gil começa a procurar novos caminhos. Junto a Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, o maestro Rogério Duprat, os poetas Torquato Neto e Capinam, o artista plástico Rogério Duarte e o empresário Guilherme Araújo, Gil é um dos expoentes do Tropicalismo, um movimento que iria modificar profundamente a música brasileira.
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