13 janeiro 2021

O pornógrafo de Recife

 

Gilberto Freyre (1900/1987) – Historiador e sociólogo pernambucano escreveu sem descanso e produziu uma obra imensa. Depois de publicar Casa Grande e Senzala (1933), obra cujo subtítulo é Formação da Família Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal, revolucionou a sociologia no Brasil. Freyre continuou a série sobre a história do país. Escreveu Sobrados e Mucambos (1936) sobre o império, e Ordem e Progresso (1959), sobre os primeiros anos da República.

 

“Casa Grande e Senzala inaugura uma linha de análise da realidade e formação da identidade do país, incluindo a contribuição cultural de índios, portugueses e africanos. Seu grande diferencial é transformar a mestiçagem, até então considerada um entrave ao desenvolvimento nacional, em motivo de otimismo.

 


Se por um lado ele foi considerado pontífice da sociologia brasileira do século XX, também é verdade que não poucas vezes foi censurado pelo seu modo de escrever com excessivo e ostensivo prazer literário. Muitos consideravam esse estilo uma intromissão impressionista demais numa obra científica. A linguagem de Gilberto Freyre na obra Casa Grande & Senzala foi por demais avançada para os idos de 1930. Ao abordar a formação da família patriarcal brasileira, ele a tratou sob o viés da temática sexual. E, naquele momento, apresentar e justificar qualquer assunto envolvendo sexo era chocante, malicioso, erótico, pornográfico. Ele foi chamado de O Pornógrafo de Recife por ousar infringir as regras de uma sociedade moralista e hipócrita. Contrariou alguns pontos de honra. Companhia de Jesus (Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica/Igreja Católica) e valorizou o papel do negro no processo civilizatório.

 


Tornou-se um alvo perfeito para ser desmoralizado, execrado e perseguido. Sua temática chocava-se de frente com a moral vigente, principalmente em se tratando de sexo. Os outros atributos: comunista, anti-católico, anarquista, agitador, dissolvente, anti-lusitano, anti-nacional, africanista, advieram em conseqüência do tema primeiro – a sexualidade, tema mais do que tabu nos anos de 1930.

 

Quando Casa Grande & Senzala foi lançada houve quem visse nas francas alusões ao sexo em suas páginas um exercício de pura pornografia, ou impuro erotismo. Para os críticos mais conservadores, o autor não fazia história social, e sim sexual. Para os mais avançados, esse tratamento livre do assunto é um dos charmes de Gilberto Freyre, e o que dá à sua linguagem uma sensualidade inigualada por seus pares sociológicos e antropológicos. “Mais depressa nos libertamos, os brasileiros, dos preconceitos de raça do que dos de sexo. Quebraram-se, ainda no primeiro século de colonização, os tabus mais duros contra os índios: e no século 17, a voz del-Rei já se levantava a favor dos pardos. Os tabus de sexo foram mais persistentes. A ‘inferioridade’ da mulher subsistiu à ‘inferioridade da raça’, fazendo da nossa cultura, menos uma cultura como a norte-americana, com a metade de seus valores esmagados ou reprimidos pelo fato da diversidade décor e de raça, do que, como os orientais, uma cultura com muito dos seus elementos mais ricos abafados e proibidos de expressarem, pelo tabu do sexo. Sexo fraco. Belo sexo. Sexo doméstico. Sexo mantido em situação toda artificial para regalo e conveniência do homem, dominador exclusivo dessa sociedade meio morta”, disse Freyre. (Texto inédito da pesquisa que realizei nos anos 1980/90 sobre Erotismo e Pornografia na Literatura, Musica, Cinema, Artes Plasticas, Fotografia e HQ)

 

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