27 novembro 2019

Sesquicentenário dos quadrinhos brasileiros (03)


ANOS 20



Durante 20 anos (1930/1940) Juca Pato tornou-se um dos personagens mais populares no dia a dia dos paulistanos: mordaz, gentil e defensor dos fracos. Durou vinte e dois anos (1925 até 1947). A criação de Belmonte (1896-1947) foi a personificação do povo paulistana. O personagem - a personificação do povo paulistano, segundo alguns - era um homem de preto, minúsculo e macrocéfalo, que pagava sempre opatopelos desmandos dos políticos e pela insensatez dos burocratas. De óculos e, quase sempre, com o dedo para o ar, Juca Pato protestava contra a carestia de vida, os buracos das ruas ou o aumento de impostos. Juca Pato foi um sucesso porque criticava os poderosos e defendia a coletividade. Seu nome ficou tão popular que foi usado para as mais diversas finalidades e produtos. Existiam bares, caramelo, água sanitária, graxa de sapato, tudo com o nome de Juca Pato. Baixinho, careca, comóculos de aro, sempre de fraque e polaines, o personagem surgiu nas páginas do Folha da Noite e foi publicado até a morte de Belmonte, em 19 de abril de 1947. Foi um personagem marcante na vida da cidade paulista.




Nessa época da história de São Paulo, boa parte das designações da cidade levava o nome de Juca Pato. Ate então, nenhum personagem fora tão marcante ao gritar contra os preços altos, o arrocho salarial, os desmandos da administração, e ao denunciar a corrupção. Juca Pato fazia tremer os políticos, que de variadas formas tentaram usar sua imagem em causa própria, batendo de frente, porém, contra a franca independência ideológica de quem o criara. Durante o governo de Getúlio Vargas, principalmente depois da decretação do Estado Novo, Juca Pato teve muitas de suas charges censuradas.




O personagem Juca Pato deixou de ser apenas desenho e se tornou, em 1962, o nome de um troféu que distingue o Intelectual do Ano. A figura de Juca Pato é inseparável de São Paulo. O caricaturista declarava sempre seu apego à cidade. Recusou, em nome de sua paulistanidade, até mesmo um convite em 1926 para trabalhar nos estúdios norte americanos da Metro, onde faria desenhos animados. Se, nas décadas de 1930 e 1940, se perguntasse a qualquer paulistano qual era a figura mais popular na cidade, ele com boa dose de certeza diria que era o Juca Pato. A popularidade podia ser comprovada nas ruas: havia bar, restaurante, marca de cigarro, graxa de sapato, vinho, água sanitária, pacote de café, aperitivo de bar e até letra de samba com o nome Juca Pato. Ele representava o cidadão comum, trabalhador, honesto, pagador de impostos, perplexo, irritado e por vezes apoplético com os desmandos do custo de vida, da burocracia, da corrupção política e da exploração do povo. Era a voz dos inconformados, do “Zé Povinho que sempre paga o pato” e que reivindica mudanças sociais.



Se São Paulo tinha Juca Pato, no Rio tinha a Melindrosa, o Almofadinha, Lamparina e muitos outros, criação de J. Carlos. Nos seus trabalhos desfilam todos os personagens do Rio de Janeiro – o que vale dizer, as figuras que por muitos anos moldaram a imagem do país.




J.Carlos (1884-1950) botou com a Melindrosa, a mulher carioca como a deusa das ruas e da moda, cheia de brejeirice, os olhos às vezes feitos como se fossem duas bolinhas pretas. A personagem nasceu na revista Para Todos, no começo dos anos 1920, logo ganhando poemas, canções e o apadrinhamento do escritor Álvaro Moreyra. Com J.Carlos, a Melindrosa saltitou na Rua do Ouvidor, mesmo que saísse só do nanquim do artista. Zuenir Ventura no texto do livro O Rio de J.Carlos lembra que foi J.Carlos que, depois de exibir as pernas e os seios da carioca nos salões, retirou-lhe a roupa na praia, antes mesmo que ela o fizesse. Ou seja, o biquíni apareceu nos desenhos antes de ser habito nas praias. Ele foi o inventor do maiô sumário. A Melindrosa era uma carioca “pra frente”, o vestido curto, as pernas firmes grossas sempre à mostra, os longos cílios, a sombra nos olhos, a boca cuidadosamente pintada na sugestão de um beijo. Lutando por seus direitos (fumar em público era um deles), fingindo-se de frágil e submissa, acabava conquistando sua liberdade e dominando o homem, que no traço de J.Carlos era um almofadinha feioso, desengonçado, quase ridículo.




Outra criação de J. Carlos foi o afeminado Almofadinha: era o parceiro colorido das Melindrosas. No trabalho de J. Carlos desfilam todos os personagens do Rio – o que vale dizer, as figuras que por muitos anos moldaram a imagem do país. Ele tanto podia retratar personagens políticos como captava as tendências da moda e ainda encontrava uma maneira de criar personagens de histórias infantis. Além do desenho marcante, que não envelheceu ao longo de mais de 100 anos, é impressionante a sua aguda percepção dos perfis psicológicos e da mudança dos costumes. Em todas as suas imagens J.Carlos ainda acrescenta um tom de ironia. A esse autodidata coube o registro de um Rio de Janeiro que somente sobreviveu no seu traço.




Personagem cômico-infantil, Lamparina é a última criação importante do gênero de J. Carlos para O Tico-Tico. Ela surgiu anônima e como mera figurante, na série “O grande vôo do Bahu”. Lamparina, que muitos pensam ser um garoto, é na verdade uma menina impúbere de cerca de 10 anos que, vinda de uma ilha distante, integra-se oficialmente ao elenco de O Tico-Tico em 25 de abril de 1928. Ela tem cabelo curto encarapinhado, o corpinho magro e desengonçado e temperamento irriquieto. O maior pecado de Lamparina é a gula que a transforma numa ladra compulsiva de mamões, pêssegos, carambolas, guabirobas e principalmente bananas dos pomares vizinhos. Cheia de defeitos, indisciplinada a ponto de liderar uma fuga em massa de crianças de um orfanato de freiras, ela é companheira fiel, cúmplice e muitas vezes o cérebro por trás das peças que Jujuba prega aos demais. Entretanto ela é sentimental, manhosa, debulhando-se em lágrimas com facilidade. Tal personalidade, ora deprimida, ora eufórica, vitima das brincadeiras dos outros ou das que própria inventa, conquistou grande numero de admiradores. J. Calos desenhou as aventuras de Lamparina de 1924 a 1941, quando deixou de vez as histórias em quadrinhos, com essa queixa: “Há mais de 20 anos faço HQs, mas hoje, um esforço tamanho, para quê? A remuneração é insignificante e quem pode concorrer com esses originais estereotipados estrangeiros?”.


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