21 novembro 2019

Diferentes estilos dos quadrinhos brasileiros (03)


Em 1970, o desenhista gaúcho Edgar Vasques se propôs a criar um personagem que tivesse a cara do Brasil: miserável, esfomeado, marginalizado, pobre e desempregado, que vivia dentro de uma lata de lixo. A primeira aparição de Rango foi na revista Grilus, a revista do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde Vasques então estudava. A partir de 1973, Rango ocupou as páginas de vários periódicos brasileiros, como Pasquim e Folha da Manhã. Fazendo parte do boom de humor da década de 70, simbolizou a resistência à ditadura militar. Nos anos 80, Edgar Vasques tornou-se conhecido nacionalmente pelos quadrinhos do Analista de Bagé, de autoria de Luís Fernando Verissimo, publicados na revista Playboy. A inovação, neste caso, ficava por conta da qualidade dos traços de aquarela, técnica inédita utilizada em quadrinhos.




O cartunista Henfil (1944-1988) teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social. A lista de criações de Henfil consta a feminista Zilda-Lib, a onça Glorinha, anarquista, líder do comando de Libertação do Quadrinho Nacional. Henfil foi um homem de denúncias. Foi ele quem calibrou a expressão Diretas Já e sofreu depois por ser contra o Colégio Eleitoral e, consequentemente, contra o governo de Tancredo Neves e seu vice, eleitos indiretamente. Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi definido pelo cartunista Miguel Paiva. Adotou o lápis como arma para denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Tocava em pontos-chave, desenvolvendo um inconformismo contagiante.




Ele é importante por representar a resistência dos quadrinhos de autor, adulto, fugindo das soluções bem-sucedidas do humor e da pornografia. O paulistano Lourenço Mutarelli marcou seu início nos anos 80, sobrevivendo a um incipiente mercado independente e mantendo em sua obra a mesma dignidade até hoje. Na sua premiada obra “Transubstanciação” (1991), o poeta Thiago sofre um angustiante estado de alteração mental. O Grito é uma de suas obras mais conhecidas. O surrealismo escabroso de seus traços fica por conta de uma personalidade depressiva, agravada por uma Síndrome de Pânico que enfrentou em 1990 com pesadas doses de psicotrópicos. O território das histórias de Lourenço está numa região oculta do cérebro – o inconsciente. O Cheiro do Ralo trata de um universo bizarro e de um personagem que compra e vende objetos usados. No álbum A Confluência da Forquilha ele mostra um artista que não consegue unir palavra e imagem, minando a cada raciocínio sua habilidade de perceber o mundo. Cínico e de humor negro cortante, o álbum traz o incômodo dos malditos, dos que estão sempre à margem, subterrâneo, espreitando a vida na superfície. Denso, cruel, infernal. Seus personagens são claustrofóbicos. Seqüelas saiu em 1998. A partir de 1999 surge a trilogia do detetive Diomedes – A Soma de Tudo. Esse universo sombrio, doentio, mais psicológico que está fazendo com que a obra de Mutarelli seja ampliada em outras linguagens. Vale a pena conhecer o trabalho do artista. Mas se prepare para entrar no mundo das sombras, do interior das pessoas.




Cartunista, desenhista, jornalista, cronista, chargista, pintor e dramaturgo brasileiro, Ziraldo lançou em 1960 a primeira revista brasileira de quadrinhos e colorida, de um só autor, intitulada Pererê. Em 1963, Ziraldo ingressou no Jornal do Brasil. Nessa época, em plena ditadura militar, lançou os personagens “Supermãe”, “Mineirinho” e “Jeremias, o Bom”, homem atencioso, elegante, vestido com terno e gravata e que estava sempre disposto a ajudar os outros. O personagem marcou as charges fazendo críticas os costumes e o comportamento da época. Foi um dos fundadores da revista humorística O Pasquim. 


Em 1969 lançou seu primeiro livro infantil Flicts, que relata a história de uma cor que não encontrava seu lugar no mundo. Em 1980 lançou o livro O Menino Maluquinho um dos maiores fenômenos editoriais no Brasil. Ele é um ícone dos cartunistas brasileiros, uma referência para quase todos os cartunistas. O segredo do seu traço está em exibir expressividade e força de maneira muito econômica.


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