29 setembro 2017

Há 20 anos Carybé nos deixou

O artista plástico Hector Julio Paride Bernabó, um argentino que se tornou mundialmente famoso com o apelido de Carybé, morreu no dia 01 de outubro de 1997, aos 86 anos, de problemas respiratórios decorrentes de um enfisema pulmonar. Ele foi quem melhor retratou a vida da Bahia. Suas figuras são inconfundíveis quer estejam num mural, numa tela ou numa aquarela.


Nascido em Lanus (1911), nas proximidades de Buenos Aires, o menino Hector passou a infância na Itália, visitando o Brasil pela primeira vez ainda garoto, em 1920. Dez anos depois, a família voltou à terra natal, onde ingressou na Escola de Artes Decorativas. Em 1938 travou o primeiro contato com a Bahia e apaixonou-se por Salvador. Deslumbrado, quis ficar. Não foi possível. Mas o desejo de pintar a magia do povo baiano, os rituais do candomblé e as belas paisagens da terra dos orixás falavam alto em seu coração. Depois de ter viajado demoradamente pela América do Sul, desenhando e expondo, voltou várias vezes na década de 40, até que resolveu fixar-se definitivamente em 1950.


Chegou de vez à terra da mestiçagem, do candomblé e das puxadas de rede que retratou em seus quadros. Aceitou um, convite de Anísio Teixeira, no governo de Otávio Mangabeira, para desenhar a Bahia. Adotando a natureza mística da terra, Carybé integrou-se suavemente ao candomblé, fazendo-se filho de Oxossi, Oba de Xangô e presidente do Conselho dos Obas no terreiro Axé Opô Afonjá. Retratista fiel das tradições, crenças e costumes do povo baiano, projetou em sua arte os fundamentos da nação brasileira, na qual se misturam o negro, o índio e o branco.


Das atividades que desempenhou no Brasil, foi pandeirista do Bando da Lua, que acompanhou Carmem Miranda, ilustrador das obras de Jorge Amado, do qual era fraterno no amigo desde que passou a morar na Bahia. Foi parceiro de Paulo Vazzolini, autor de capas de livros de Gabriel Garcia Marques, ilustrador de “Macunaíma”, de Mário de Andrade, e autor do Memorial da América Latina, em São Paulo.


Carybé foi além das preocupações sociais e estéticas dos muralistas, propondo relevos e incrustações na pintura. Novas experiências são a tônica em seu trabalho, variando suportes e materiais. Barro, relevos em pedra, madeira, cimento, inclusões de ferro, vidro, metais, osso – Carybé multiplica-se como oleiro, carpinteiro, ferreiro, ourives. Segundo Jorge Amado, ninguém, no Brasil, contribuiu de forma mais evidente e verdadeiro para situar e exaltar essa contribuição do que mestre Carybé. Através da arte – desenhos, aquarelas, aguadas, óleos, talhas, painéis, livros – e através da ação pessoal numa participação cotidiana e criadora na vida popular baiana, tornou-se um dos cidadãos mais eminentes da urbe. Em sua obra, ele registrou de maneira expressiva os rituais do candomblé e valorizou as tradições trazidas da África pelos negros.


Na Bahia, como em todo o Brasil e muitos países do mundo, são marcantes os painéis de Carybé, em prédios públicos, bancos e mesmo edifícios residenciais. Suas obras fazem parte do acervo das mais respeitáveis instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, Fundação Gulbenkian, de Lisboa, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Moderna da Bahia e Fundação Raymundo de Castro Maya, Rio de Janeiro.


Ele retratou a Bahia com uma verdade afetuosa – as mulatas angulosas, os capoeiristas longilíneos, os orixás, as vaquejadas. Seus desenhos têm um traço vigoroso e ao mesmo tempo guardam a delicadeza da visão singular de um baiano de coração sobre sua terra. Seus quadros a óleo transbordam luz e exuberância. Como os grandes mestres, o artista fez da arte sua vida. Um artista completo: desenhista, gravurista, escultor, escritor e pintor.


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