A década era de 80. O italiano Paolo
Eleuteri Serpieri mostrou um furacão sexual perdido em mundo pós-apocalítico
(Druuna), já o britânico Alan Moore relatou estupro (Watchmen) e aleijou uma
personagem (A Piada Mortal). Outro inglês, Grant Morrison insinuou relação
homossexual (Asilo Arkhan), mas o hardcore maior ficou com Ranxerox que trazia
as aventuras violentas e cheias de sacanagem de um andróide punk e sua
companheira adolescente Lubna, em um futuro devastado.
Stefano Tamburini e Tanino Liberatore
anteciparam o gênero de violência extremada nos quadrinhos dos anos 80 e que
predominaria no cinema dos anos 90 influenciando cineastas como Quentin
Tarantino (Pulp Fiction) e Oliver Stone (Assassinos por Natureza). Esses
italianos levaram às últimas consequências sintomas de uma sociedade doente e
se revelou profético quando observamos os massacres que ocorrem com
frequência
nos Estados Unidos. Há uma profunda crítica a valores sociais e morais nos
excessos de Ranxerox. Isso está bem mais claro, hoje, como bem observou o
estudioso de quadrinhos, Gonçalo Junior.
PARCERIA
O roteirista Tamburini e o desenhista
Liberatore iniciaram parceria em 1977 ao editar uma revista underground
Cannibale. Foi aí que eles lançaram um andróide chamado Rank Xerox, o mesmo
nome da gigantesca corporação cujas máquinas fotocopiadoras eram uma obsessão
de Tamburini. Este era responsável não apenas pelos roteiros, mas também pelo
desenho, que antes de ser arte-finalizado era retocado pelos desenhistas mais
competentes da revista. As histórias eram em preto & branco, curtas -
raramente ultrapassavam as quatro páginas. A empresa homônima descobriu o
personagem, e não gostou de ser sua marca sendo associada a um robô pedófilo e
boçal. Sob ameaça de processo, Tamburini efetuou uma ligeira modificação - Rank
Xerox virou Ranxerox.
Com o término da revista Cannibale, o
grupo se envolveu numa outra publicação ainda mais radical: Frigidaire. Ranx
continuava sujo, tosco, podre e doentio, e as histórias tornaram-se mais
longas. Tamburini largou a arte, encarregando esta função a Liberatore. O
desenhista, por sua vez, deixou o preto & branco e inseriu cores nas
ilustrações da série. Com traço caricato e realista, Liberatore impregnou o
universo do anti-herói com uma identidade visual inconfundível.
Quem desejar folhear as páginas onde
foram publicadas o anti-herói vai encontrar sequências ininterruptas de
ultraviolência, sexo bizarro e perversidades em geral. O cenário é uma Roma
futurista e apocalíptica. Decadência, sordidez, indiferença é o que o leitor
vai encontrar no relacionamento humano. E em meio a este verdadeiro caos, dois
personagens vivenciam aventuras completamente anárquicas e amorais: Ranxerox, o
violento brutamontes que batiza a série, e sua namoradinha Lubna, uma junkie de
apenas 12 anos com cara de criança e jeito de dominatrix. Quem já leu o romance
“Crash” (mais tarde levado para o cinema por Cronenberg) sabe dessas narrativas
trágicas, bizarras de relações entre morte, acidentes de carro, mutilações e
prazer sexual. Tudo com muito sarcasmo. As aventuras do pós-punk fizeram
sucesso nas revistas como a norte-americana Heavy Metal, a espanhola El Víbora,
a francesa L'Echo des Savanes e a brasileira Animal.
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