Bauman: “A justiça será obra de acordos,
não de consensos”
Morreu aos 91 anos, em Leeds, na
Inglaterra, o filósofo e sociólogo contemporâneo polonês Zygmunt Bauman, na
última segunda-feira (09/01/2017). Criador do conceito de modernidade líquida e
considerado um dos principais intelectuais do século XX, o polonês Zygmunt Bauman, cultiva a virtude da dedicação. Era um
sociólogo em tempo integral. O criador do conceito de “modernidade líquida” tem
mais de 20 títulos publicados no Brasil. Professor emérito das universidades de
Varsóvia (Inglaterra) e Leeds (Polônia), tem um total em torno de 250 mil
livros vendidos.
Para Zygmunt Bauman a vida moral é um
percurso de incerteza contínua. “Ela é construída de tijolos de dúvida e
cimentada com surtos de autodepreciação. Uma vez que as linhas divisórias entre
o bem e o mal não tenham sido previamente traçadas, elas são estabelecidas no
curso da ação, e o resultado desse esforço em termos de traçados de desenho é
semelhante a uma sequência de pegadas na areia, e não a uma rede de estrada
mapeadas. Assim, a solidão é um morador tão permanente e não exclusível da
morada da responsabilidade quanto a ambivalência”.
Muito da inventividade humana se dedica,
ao longo da história, a conceber maneiras de se aliviar do fardo. Em tempos
pré-modernos, os princípios desses projetos tinham caráter religioso. O núcleo
de todo sistema religioso não era a ideia de pecado, mas de arrependimento e
redenção. “Nenhuma religião jamais considerou a vida sem pecados uma
perspectiva viável, nem propôs um caminho para uma vida sem mal”
Assim, as religiões aceitam a
inevitabilidade do pecado e concentram seus esforços nas formas de amenizar a
dor pela nítida prescrição do arrependimento ligado à promessa de redenção. “A
promessa de uma vida liberta do pecado (agora renomeado como culpa) foi tão somente
o projeto moderno de refazer o mundo à medida das necessidades e capacidades
humanas, de acordo com um projeto concebido de modo racional”
“O mundo pós moderno, em que as
autoridades brotam sem prévio aviso, prega adiar o pagamento. Se a caderneta de
poupança era a epítome da vida moderna, o cartão de crédito é o paradigma da
pós-modernidade”. “O homem ingressa no mundo ético pelo medo e não pelo amor”
sugeriu Paul Ricoeur. O “mundo ético” identificado com a integração sagrada do
“estar-com”. O medo em questão é o da lei, estrita e severa.
No que diz respeito a identidade, Bauman
informa que o “problema da identidade” moderna consistia em como construir uma
identidade e mantê-lo sólida e estável. O “problema de identidade” pós-moderno
diz respeito essencialmente à forma de se evitar a fixidez e manter abertas as
opções. O lema da modernidade era “criação” já o lema da pós-modernidade é
“reciclagem”.
Como Jean Baudrillard não cansava de
repetir: este é um mundo de simulacros, no qual as imagens são mais reais que a
realidade, onde tudo é uma representação, e, portanto, a diferença entre
representação e o que é representado não pode mais ser estabelecida, enquanto
todas aquelas imagens “palpavelmente realistas”, vividas, servem só para
encobrir a ausência de uma realidade que pudesse, de maneira concebível,
sustentar alguma autoridade sobre elas. As realidades se “fundam” em suas
ostensivas representações.
ALERTA - Bauman nomeia um time de
pensadores contemporâneos que o ajudam a demonstrar por que, na modernidade
líquida, estamos condenados a mudar obstinadamente, carregando e reprocessando
incertezas. Notem que o tempo todo ele chama atenção para as novas formas da
desigualdade no planeta e faz um alerta: na sociedade global, a justiça será
obra de acordos, não de consensos.
“O que tempos atrás era apelidado
erroneamente de ´pós-modernidade´, e que prefiro chamar ´modernidade líquida´,
traduz-se na crescente convicção de que a mudança é a nossa única permanência.
E a incerteza, a nossa única certeza. Nossa sociedade não está preocupada com a
satisfação de necessidades, desejos e vontades, mas com a commoditização ou
recommoditização do consumidor. Daí o sentido de obsolescência e
descartabilidade que nos persegue”.
“As celebridades tornaram-se um fenômeno
curioso. Elas parecem nos avisar que chegou a hora de rever o famoso veredicto
de Descartes, ´penso, logo existo´, alterando-o para ´sou visto, logo existo´.
E tão mais existo quanto mais visto for - seja na TV, nas revistas glamourosas,
no Facebook. Como sugere o psicanalista francês Serge Tisseron, os
relacionamentos significativos passaram do campo da intimité para o da extimité
- ou seja, extimidade. Celebridades encarnam essa nova condição, funcionando
como estrelas-guias, padrões a serem seguidos. Mostram o caminho para as massas
que sonham e lutam para se tornar commodities vendáveis. Tudo isso comprova o
apagamento da sacrossanta divisão entre a esfera privada e a esfera pública.
Transformamo-nos numa sociedade confessional: microfones são fixados no
cofre-forte dos nossos mais recônditos segredos, violando aquilo que só poderia
ser transmitido para Deus ou para seus mensageiros plenipotenciários. Hoje
esses microfones se encontram conectados a alto-falantes que bradam nossas
vidas em praça pública”.
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