26 abril 2016

Plantu mostra uma geopolítica do humor


Jean Plantu, um dos mais importantes cartunistas franceses, responsável pela charge diária da primeira página do Le Monde nas décadas de 1980/90 arriscou, na época, a construção de uma geopolítica planetária do riso e dos perigos que o afligem. O grande pintor da classe política francesa certa vez entrou anonimamente na Sorbone para assistir à sustentação de uma tese de doutorado sobre sua obra. A autora não o conhecia nem ficou sabendocomo de resto dos membros do júri e a assistênciade sua presença no anfiteatro.

Sempre espirituoso, ele contra atacou: é uma grande tolice dizer-se que um desenho meu vale mais do que um editorial ou discurso, quanto mais um livro, um só. Ora, o desenho aclara apenas uma das múltiplas facetas de uma grande questão que o próprio editorial, por mais bem feito que seja, não consegue às vezes focalizar completamente. Isso do desenho que vale mais do que um editorial é coisa de gente preguiçosa que não quer ler o que vem ao lado. Não embarco nessa...

Autodidata, Plantu teve como referências magistrais Reiser, Wolinski, Cabu e Sempé. E lamenta quequase não existam cartunistas puramente humorísticos, como Chaval e Bosch (os grandes mestres franceses dos anos 1960) e como a turma formada pelo célebre semanário Charlie-Hebdo anos 1970.


É finalmente à réplica de Plantu à observação de que os políticos temem, sobretudo, o ridículo:Se eles realmente temessem o ridículo, não fariam o que fazem, ou mudariam de ramo. Quanto ao estado de saúde do riso no mundo, Plantu garante que ele éprecaríssimo nos países sob ditaduras. E discorda em parte da teoria de seu colega Pierre Daninos, segundo a qual o humor floresce, de preferência, nas regiões pouco ensolaradas, chuvosas, tediosas, frequentemente sinistras, como as ilhas britânicas. A Europa Central e o Canadá. Os Trópicos, portanto, não seriam grandes produtores de humor.
 
Plantu objeta:Sem dúvida, os povos dos países frios precisam mais de humor para aquecer o espírito. Daí a enorme produção de livros, álbuns, filmes, jornais etc. nos Trópicos, o povo vive da janela para a rua, todo mundo se fala, se comunica e nada favorece mais a produção do riso do que a prática do senso gregário. A boa piada é aquela que provoca o contágioe tudo nos Trópicos é deliciosamente contagiante! Agora, o problema é que o Terceiro Mundo não codifica, não registra sua enorme criatividade humorística. Tudo se perdee não é por culpa das ditaduras...

O artista está corretíssimo. O Brasil, por exemplo, tem no riso uma arma em todos os sentidos. Obrasileiro ri para estreitar laços, criar intimidade, seduzir, se mostrar inteligente e, principalmente, para se sentir mais leve e feliz.


Plantu também enfrentou sua cota de polêmica com desenhos e religião. Em 2009, uma campanha de emails foi organizada contra ele pelo grupo America needs Fatima ou “América precisa de Fátima”, organização católica ligada à Sociedade Americana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. O motivo? Um desenho em que Plantu mostrava Jesus Cristo, o Papa Bento XVI e um cardeal em um barco distribuindo camisinhas a pessoas na África, ao invés dos pães multiplicados. Ao mesmo tempo em que defende que o medo não pode fazer desenhistas baixarem o lápis, Plantu defende há anos a ideia de uma “pedagogia da imagem”, algo que ajude as pessoas a compreender o que uma caricatura quer dizer.

 
OBS: Esse artigo foi baseado na reportagem de Napoleão Saboia, Geopolítica do Riso, publicado no Jornal da Tarde, São Paulo, Caderno de Sábado. 21/12/1991, página 1.

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