04 outubro 2010

Vivemos numa sociedade líquida (Todas as coisas sólidas começaram a se desmanchar)

O intelectual polonês radicado na Inglaterra, o sociólogo Zygmunt Bauman é um dos líderes da chamada “sociologia humanística”. Em suas obras ele tenta compreender a complexidade e diversidade da vida humana. Ele sugeriu a metáfora da “liquidez” para caracterizar o estado da sociedade moderna, que, como os líquidos, se caracterizam por uma incapacidade de manter a forma. “Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crença e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades auto-evidentes”.


Jean-Paul Sartre aconselhou seus discípulos em todo o mundo a terem um projeto de vida, a discutir o que queriam ser e, a partir daí, implementar esse programa consistentemente, passo a passo, hora em hora. Ter uma identidade fixa, como Sartre aconselhou, é hoje, nesse mundo fluído, uma decisão de certo modo suicida. “Na época da modernidade sólida, informa Bauman, quem entrasse como aprendiz nas fábricas da Ford iria com toda probabilidade ter uma longa carreira e se aposentar após 40 ou 45 anos. Hoje em dia, quem trabalha para Bill Gates por um salário talvez cem vezes maior não tem idéia do que poderá lhe acontecer dali a meio ano!. E isso faz uma diferença incrível em todos os aspectos da vida humana”.


Em Amor Líquido ele explora o impacto dessa situação nas relações humanas, quando o indivíduo se vê diante de um dilema terrível: de um lado, ele precisa dos outros como do ar que respira, mas, ao mesmo tempo, ele tem medo de desenvolver relacionamentos mais profundos, que o imobilizem num mundo em permanente movimento.

Os riscos de hoje são de outra ordem, não se podendo sentir ou tocar em muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Para outros sociólogos, a antiga condição de emprego poderia destruir a criatividade humana, as habilidades humanas, mas construía a vida humana, que poderia ser planejada.


Já o filósofo Gilles Lipovetsky informa que há uma situação paradoxal da sociedade contemporânea, dividida de modo quase esquisofrênica entre a cultura de excesso e o elogio da moderação. De um lado, diz Lipovetsky, autor de Os Tempos Hipermodernos, “é preciso ser mais moderno que o moderno, mais jovem que o jovem, estar mais na moda do que a própria moda”; de outro, valorizam-se “a saúde, a prevenção, o equilíbrio, o retorno da moral ou das religiões orientais”. Esse convívio frenético de ordem e desordem (“caos organizados” como define o filósofo) que identifica a sociedade hipermoderna resulta, paradoxalmente, na fragilização do indivíduo, que vê ruir as antigas formas de coesão social – Estado, religião, partidos revolucionários. Se antes o indivíduo tinha confiança no futuro, agora ele tem a dúvida. É a população trazendo suicídio, ansiedade, depressão, medo de envelhecer e do desemprego.


Vivemos hoje a modernidade líquida (a hipermodernidade). Vivemos uma sociedade na qual estabelecer projetos não é uma coisa simples como na época de Sartre. O Sartre dizia para os jovens “façam projetos e desenvolvam seus projetos”. Só que hoje os projetos são frágeis, são para pouco tempo.


Desde que se iniciou a modernidade, no século XVIII, todas as coisas estruturadas e sólidas começaram a se desmanchar, por uma necessidade socioeconômica. Basta lembrar a frase de Marx, “tudo que é sólido se desmancha no ar...”. Nos últimos 25 anos essa modernidade adquiriu uma velocidade fantástica, por isso é chamada de líquida, não tem nada muito sólido. A família não está sólida, a Igreja, a política... As relações amorosas também estão sofrendo, os laços familiares ficaram frágeis. Estamos um pouco desconcertantes nesta nova sociedade, procurando saídas. Cada um busca encontrar caminhos para poder de uma forma criativa enfrentar o novo.


A sociedade líquida pede euforias, total e completa. É uma sociedade de indivíduos. Tudo aquilo que era prometido como uma felicidade depois da morte ou a felicidade depois de determinado sacrifício não existe mais. A sociedade agora constrói como valor ideal a felicidade aqui, agora e já. A felicidade perfeita diz que se deve gozar de tudo. Uma sociedade que tem muito mais direitos do que deveres e isso a gente vê principalmente nos jovens, nas crianças nas escolas.


Perdeu-se a confiança no futuro, fragilizando os laços amorosos. A relação humana é uma construção. É preciso que se reconheça que o outro é a diferença, amar no outro a diferença. O que eu amo no outro é sempre a diferença de mim, pois de outra forma vou acabar amando o espelho. Se os laços se constroem a partir do espelho (amar a si mesmo), esses laços serão narcisitas e se rompe rapidamente e com facilidade. Muitas vezes ter uma razão é um problema nos relacionamentos. Só melhoram quando paramos de querer ter muita razão. E essa vontade de ter razão vem de um padrão: o da felicidade, bom relacionamento. Seria bom sermos iconoclastas, rompendo com os padrões e construindo o próprio rumo. É preciso encarar o problema sem ódio, raiva ou ressentimento. Precisamos aprender a experiência do presente. É preciso prestar atenção para o que ocorre em nossa volta, de olhar com admiração, surpresa o que a gente vai vivendo. Somos deseducados, afastados do nosso presente, despercebendo o que acontece aqui e agora.


É nesta sociedade líquida, onde a liberdade é bem maior onde os vínculos se estabelecem e rapidamente se desfaz, sem a dependência doentia, é uma sociedade de paixão descafeinada (como diz o filósofo Slavo Zizek), do açúcar sem açúcar, da paixão sem entrega. É uma sociedade de paradoxos: tem medo de se entregar à paixão, tem todo auto-sobrevivente; é preciso se manter inteiro.


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