06 outubro 2010

Candomblé da Bahia na obra de José de Jesus Barreto

Apontar uma trilha, acender uma chama, apagar o medo e, com a licença e as bênçãos dos Orixás (santos, voduns, inquices, caboclos, encantados, anjos de guarda), abrir um porta, uma fresta que seja, para a percepção, sem preconceitos, de um mundo diferente, mágico e real, rico e pouco conhecido, mesmo tão presente: a religião e o culto aos Orixás nos terreiros de candomblé da Bahia. A intenção do jornalista e professor José de Jesus Barreto foi mais além. Seu novo livro Candomblé da Bahia. Resistência e identidade de um povo de fé, da Solisluna Design e Editora é um trabalho primoroso, de leitura simples e aprofundada dedicado ao “povo de santo” da Bahia.


Foi no dia de Iemanjá (sábado) que me dediquei para a leitura do livro de Barreto, este ser generoso, acolhedor, bem humorado e inspirador. A obra é dividida em 10 partes. “Da Bahia costuma-se dizer que o melhor está preservado nas histórias de vida de seu povo” revela no prefácio a paixão desse filho de Oxalá que abre uma porta para o conhecimento acendendo uma luz em cada leitor. E que brilho!


No primeiro capítulo – A Bahia. Berço de uma nova nação, misturada e única – Barreto retrata em palavras a alma baiana desde o início da chegada dos portugueses. “Nesta cidade de catedrais e terreiros, de batuques e cantochão, de quindins e acarajé, santinhos e patuás, promessas e ebós, búzios e oratórios, jaculatórias e banhos de folha, aqui, nesse santuário ecumênico da cidade do Salvador da Bahia – e Recôncavo, o entorno da baiá de Todos-os-Santos -, o afrodescendente (negro, marron, mulato, sarará ou branco misturado) anda nas ruas de cabeça erguida, com orgulho, porque não se acha melhor nem inferior a ninguém. A cidade da Bahia é de todos, mais do que qualquer outra. A Mãe África está grudada com todo orgulho na cor da pele e se reflete nas almas transparentes dessa gente. Mas, definitivamente, somos é brasileiros e baianos com as bênçãos do Senhor do Bonfim e a proteção de todas as divindades” (p.17).


O tráfico. O comércio de negros africanos era uma grande negócio internacional. Esse é o tema do segundo capítulo onde o autor traça a trajetória da escravidão humana, do mercantilismo europeu, política de colonização com foco na Bahia. No final desse capítulo ele cita com propriedade o artista plástico e escritor baiano de origem Argentina, Carybé (As Sete Portas da Bahia): “A Bahia não é uma cidade de contrastes. Quem pensa assim está enganado. Tudo aqui se interpenetra, se funde, se disfarça e volta à tona sob os aspectos mais diversos, sendo duas ou mais coisas ao mesmo tempo, tendo outro significado, outra roupa, até outra cara. De contrastes seria se fosse uma cidade com coisas que uma nada tem a ver com a outra, mas aqui tudo tem que ver. Tudo é misturado: gente, coisas, costumes, pensares. Vindo de londo ou sendo daqui, tudo misturado”.


“Colonizar era também catequizar, missão religiosa exercida de uma forma obstinada pelos missionários católicos. Seria necessário e dever cristão impor a crença no Deus-todo-poderoso, único e absoluto, nos santos da Igreja Católica Apostólica e Romana, e exercitar seus rituais e orações como o único caminho da salvação das almas pecadoras” (p.30). A Religião. Principal elemento agregador na terra de todos os santos é o tema do terceiro capítulo. Barreto revela essa realidade impregnada de catolicismo de santos, rituais, velas, amuletos, orações e festas misturados aos batuques, danças e cânticos africanos, ou seja, o sincretismo religioso.


O quarto capítulo é dedicado as Irmandades. Uma página da história que resiste às traças do tempo. Registra as irmandades de Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora da Boa Morte. O Candomblé. Fé que impregnou a Bahia do axé africano é tema do quinto capítulo. De origem banto, o Candomblé significa um complexo de crenças, rituais litúrgicos, cultos e conhecimentos, revela Barreto. “Podemos dizer que, na Bahia, o termo candomblé corresponde ao batuque do Maranhão, ao xangô de Pernambuco, e até à santeria cubana. Todas essas manifestações religiosas têm raiz comum fincada no solo africano, cada uma com suas próprias adequações e simbioses de tempo, espaço e interação humana” (p.43).


Barreto diz mais: “Os homens fazem parte da divindade, pois são também seres da natureza; assim como as divindades também se abrigam dentro dos seres humanos e podem se manifestar através delas, caso as pessoas tenham consciência e se preparem para isso pela iniciação. Cada pessoa tem sua divindade (seu santo, seu Orixá). O ser humano é partícula do divino” (p.45). E conta que “por obra da sabedoria e da luta constante do povo de santo, na Bahia de hoje o terreiro representa bem mais que um local de culto. É também um espaço comunitário em que se preserva a natureza, cuida-se das tradições e, mais que isso, busca-se e luta-se pela inserção do negro pobre na sociedade” (p.50).


Os Terreiros. Redutos de axé africano, são espaços sagrados em solo brasileiro. Tema do sexto capítulo. Os Orixás. Divindades com a força da natureza regem o destino dos homens, assunto do sétimo capítulo. Nessa parte o autor apresenta mais informações sobre divindades como Exu, Oxalá, Xangô, Ogum, Oxóssi, Omolu, Nanã, Iemanjá, Oxum, Iansã, Ossaim e Oxumaré.


O oitavo capítulo fala sobre Sincretismo. Uma herança da escravidão, que o povo não apagou da memória. As Festas está no nono capítulo que inicia com a lavagem do Bonfim, festa para Omolu na Federação, Iemanjá no Rio Vermelho, São Jorge/Oxossi (abril), Santo Antônio/Ogum e São João/Xangô (junho), Senhora Sant´Ana/Nanã Buruku (julho), Maria/Boa Morte, São Bartolomeu/Oxumaré e São Roque/Obaluaê, Omolu (agosto), São Cosme e São Damião/Ibejis, São Jerônimo/Xangô (setembro), Santa Bárbara/Iansã (dezembro). “Há lugar para todos no coração dessa gente mestiça que ter a graça de nascer nessa Bahia de todos os Santos, Orixás e Caboclos” (p.81).


E para encerrar, Barreto oferece ao leitor um Glossário, palavras e expressões de matriz africana usadas nos terreiros baianos. Um livro rico em informações e que ilumina a alma de todos, religa sagrado, profano, religião e o culto dos Orixás nos terreiros de candomblé da nossa Bahia. Axé Barreto!.

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