“O ponto fundamental deste livro – informa Beliza – incide em mostrar como as canções de Caymmi ajudam a entender os recorrentes processos de afirmação da marca identitária da Bahia com sua entrada na cena cultural nacional a partir dos anos 30. Acontece que eu sou baiano, título garimpado de uma canção de Caymmi, não poderia ser mais propício. É a entronização do sujeito baiano pontuando a diferença, a alteridade”.
Dividido em três partes, na primeira (identidade e memória cultural) o autor analisa o cantor das graças da Bahia: mediação e baianidade, seguida Da Bahia à Broadway: samba e brasilidade. Mais adiante aborda Getúlio Vargas e o Estado Novo: por uma identidade nacional. E encerra o primeiro capítulo com Dorival Caymmi e Carmen Miranda: a Bahia lhes dá régua e compasso.
Na segunda parte (Você já foi à Bahia: festividade e religiosidade) ele apresenta Batuques, rodas de samba e trios elétricos: a Bahia de todas as festas. Analisa os Afoxés no carnaval: os orixás comandam a festa. Aborda as Festas religiosas: santos e orixás no meio da rua. E termina “Entre espumas e sargaços: a festa do mar e da sereia”.
Lá vem a baiana: comida e sensualidade é o título do terceiro capítulo. Ele aborda o tempero do erotismo: a Bahia de todos os prazeres; As “cadeiras elétricas” da baiana: dança, corpo e sedução. Mulher, mãe de santo e mulata: raça e sexo à flor da pele, e a negra que sabe mexer: comilanças e banquetes à baiana. Trata-se da representação da mulher baiana associada ora à comida ora à dança. “Essa figura feminina é geralmente negra, bem-feita de corpo, quituteira de mão cheia, alegre e extrovertida, trabalhadora e excelente sambadeira” (p.40).
Ao analisar elementos da baianidade, o autor fez leituras sobre raça e etnicidade nos textos sobre crítica cultural de Stuart Hall além de dialogar com as ideias de Antonio Risério e outros especialistas como Roberto Albergaria e Milton Moura. Para o autor, “a falta de pressa para falar e compor pode servir de moldura para pintar a preguiça de Caymmi, mas no seu cancioneiro não há uma só música que exalte a preguiça ou que mostre um preguiçoso” (p.60).
“A entrada de Caymmi na cena cultural brasileira dos anos 30 aos 50 contribuiu para reafirmar a Bahia como repertório original e tradicional de símbolos nacionais reinventados pelo Estado Novo” (p.79). “Ainda é recorrente a história de que na Bahia há uma igreja para cada dia do ano, surgida provavelmente a partir de um comentário feito pelo príncipe Maximiliano de Habsburgo que, em visita à cidade em 1860, ficou impressionado com a grande concentração de templo. Esta narrativa oral deu samba. Caymmi ao reinscrevê-la em 365 igrejas, mostra o quanto as igrejas faziam parte de seu cotidiano (e dos soteropolitanos), principalmente pelo fato de ter morado no centro antigo de Salvador ou em bairros próximos (Saúde, Nazaré, Mouraria e Santo Antônio), onde torres eram os pontos mais altos de Salvador e o badalar constante de seus sinos reforçavam a imagem de uma cidade protegida por todos os santos” (p. 93)
Marielson Carvalho mostra como Caymmi é um “pescador” da memória coletiva . “Seu cancioneiro está cheio dessas certidões que revelam como a Bahia e ele mesmo estão vivos e prontos para renascer todas as vezes que uma música sua for ouvida ou tocada. Isto representa uma voz poética que dinamiza a memória tanto coletiva (como fonte de saber) quanto individual (como forma de enriquecê-la)” (p.176).
Um livro de extrema importância pois reflete a brasilidade de forma criteriosa, usando o literário para explicar aspectos da sociedade. Vale conferir.
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