22 outubro 2010

Música & Poesia

A Tragédia da Cor (Wado e Realismo Fantástico)


Aê, my brother Sandro,

A vida não tá fácil

Eu que não tenho cor

Ando de trajes negros


Você bem sabe em que ponta

A corda sempre arrebenta


Mas ninguém sabe da dor

Da tragédia da cor

Negra


São sobreviventes, arestas, anomalias, fato

Fruto da exclusão social neoliberal


Eu escutei um tiro

A bala saiu da ponta

Da caneta do ministro

Do deputado, do senador

Que nunca que nunca abre mão

Da sua corrupção diária, rotineira


Aê, my brother Sérgio,

A vida não tá fácil

Eu que não tenho cor

Ando de trajes negros


Você bem sabe em que ponta

A corda sempre arrebenta


Não se percebe a doutrina de violência e ódio

Nas torcidas organizadas de futebol



A Palavra (Pablo Neruda)


... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no voo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma ideia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pelos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

*Butifarra: espécie de chouriço ou linguiça feita principalmente na Catalunha, Valência e Baleares. (N. da T.)

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