20 outubro 2010

O mal está em alta (2)

Na dramaturgia brasileira, Nélson Rodrigues escreveu para o programa de “Perdoa-me por me Traíres” (tragédia carioca lançada em 1957): “Para salvar a platéia, é preciso encher o palco de assassinos, de adúlteros, de insanos e, em suma, de uma rajada de monstros. São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los”. Esse raciocínio justificou o êxito da minissérie “Engraçadinha”, de autoria do dramaturgo exibida na TV.


Os portadores do mal como os personagens do tipo Iago (o vil antagonista de Othelo) e Ricardo III, ou Macbeth e Lady Macbeth, de Shakespeare seduzem as platéias do mundo inteiro. Qual a explicação para o fascínio que exercem os vilões? “O belo só tem um tipo; o feio tem mil”, explicou Victor Hugo no prefácio de “Cromwell”. Assim, a beleza tende a uma certa monotonia, à falta de sal, enquanto a feiura, que pode também ser associada a vícios morais, cativa pela multiplicidade de formas. Hermógenes, o vilão de “Grande Sertão: Veredas” é um dos tipos mais marcantes da obra-prima de Guimarães Rosa, deixando muitas vezes o romance Riobaldo-Diadorim em segundo plano.


Do teatro para os quadrinhos. Nos anos 80 os vilões ganharam projeção nas histórias em quadrinhos. “A Piada Mortal”, de Moore e Bolland, é um show do Coringa, e “Born Again”, a série do Demolidor escrita por Miller, é o palco do Rei do Crime. Elektra, personagem coadjuvante das aventuras do Demolidor, depois de ser treinada como uma ninja moderna, vira uma verdadeira máquina de matar a serviço de quem paga mais.


Os ingleses Pat Mills e Kevin O´Neal criaram Marshall Law, o caçador de heróis. É uma das maiores chacinas dos quadrinhos, com muita ironia e violência. A era de justiceiromania chegava ao fim e tinha início os violentos e bizarros anos 90. A realidade nua e crua bate à porta dos quadrinhos adultos. Howard Chaykin transformou um travesti no personagem principal da polêmica série “Black Kiss”. Grant Morrison trabalha com personagens absurdos e engraçados: Shade the Changing Man que aborda a loucura.


Os ventos da mudança vieram da Europa. Em 1962 o “herói dos mil disfarces”, Diabolik não tinha o menor pudor de se valer dos crimes para roubar e saquear. Ele é um anti-herói, um assassino frio, ladrão e calculista, capaz de proezas incríveis para furtar jóias, dinheiro e bens preciosos. Em seguida surgiram Sadik, Kriminal e Satanik na mesma linha do mascarado italiano. No início dos anos 80 o personagem que fez furor nos quadrinhos foi o raivoso, apaixonado e cibernético Ranxerox, criação dos italianos Tamburini e Liberatore. As histórias do monstro cibernético se passavam numa Roma futurista, onde ele descia a porrada em qualquer um que ameaçasse Lubna, sua amante toxicômana, linda no esplendor dos seus doze aninhos. Assim, os vilões gozam de um bom status entre os leitores. Há uma nova geração de roteiristas que têm colocado os bandidos em primeiro plano. E os leitores apóiam. Sinal dos novos tempos.

“Crise Infinita”, minissérie em sete edições publicada pela DC Comics (aqui no Brasil pela Panini) é uma continuação de "Crise nas Infinitas Terras", a primeira dessas megassagas. No enredo o mundo parece acabar em volta dos heróis, e em várias frentes. Os vilões se uniram para apagar a mente deles, o espaço sideral entra em colapso, o plano mágico se fragmenta. Uma série de seres eletrônicos superpoderosos e mortais, os OMACs, saem para acabar com cada um dos heróis. O trio central, Batman, Super-Homem e Mulher Maravilha, perde a confiança um no outro.


Para os psicanalistas, o que se identifica como o mal é o que nem sempre segue normas e regras, e todo mundo, inconscientemente, tem a vontade de quebrar regras. Muitos cientistas sociais constataram que o Brasil sempre viveu uma realidade de atração pelo mal. O psiquiatra baiano César Romero é de opinião que “todos nós temos um lado vilão, só que a gente não coloca para fora e segura, por questões sociais, normas, éticas. Quando alguém expressa isso por nós há um certo alívio. É como se você se expressasse através daquela pessoa e isso diminui a ansiedade e a culpa do nosso lado vilão. Todos nós temos um lado muito positivo e outro negativo. O importante é saber domar esse lado negativo”.


Mas de um modo geral, o maniqueísmo é uma forma de pensar simplista em que o mundo é visto como que dividido em dois: o do Bem e o do Mal. A simplificação é uma forma primária do pensamento que reduz os fenômenos humanos a uma relação de causa e efeito, certo e errado, isso ou aquilo, é ou não é. A simplificação é entendida como forma deficiente de pensar, nasce da intolerância ou desconhecimento em relação a verdade do outro e da pressa de entender e reagir ao que lhe apresenta como complexo.


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