16 agosto 2010

Mangaba, fruta dos deuses, corre o risco de desaparecer no Nordeste

“Isso é dos deuses”. A famosa frase, proferida por milhares de baianos, vem a calhar muitíssimo bem quando o assunto é fruta e, sobretudo, quando a fruta é mangaba. Excelência em sabor, a mangaba é própria dos deuses. Mangaba (Hanconia Speciosa) é daqui mesmo, das praias do norte e do nordeste brasileiro. Os índios a chamavam ma’ngawa (fruta boa de comer). E assim como as demais delícias do Brasil, a fruta não tardou a cair no gosto do colonizador português.

São muitos os registros desses primeiros tempos. Fernão Cardim, reitor do colégio jesuíta da Bahia, dizia “jamais farta-se delas” em Do Clima e Terra do Brasil, século 17. Logo depois, escreveu Ambrósio Fernandes Brandão: “mangaba, fruta que pode ser estimada entre as boas que há no mundo, qual semelham as sorvas de Portugal” (Diálogos das Grandezas do Brasil). Encantados ficaram também os franceses, que aqui vieram embalados pelo sonho grandioso de fundar uma França tropical. Como prova, temos o comentário do capuchinho Claude d’Abbeville: “são frutos muito doces e agradáveis e que derretem na boca”.


A mangabeira não é árvore alta, tem galhos pequenos. A madeira avermelhada é de bem pouco valor econômico, prestando-se à fabricação de lenha e móveis baratos. Dela se pode extrair ainda um látex rosado de qualidade inferior. As folhas têm manchas que lembram ferrugem. As flores são claras e levemente perfumadas, e são medicamentos caseiros de prestígio para o tratamento de tuberculose e úlcera entre os simples sábios da medicina natural. Os frutos podem ser consumidos ao natural, mas não são muitos os que apreciam o travo de seu visgo. Melhor quando convertida em suco, sorvete, geléia, doce em calda ou ainda licor.


RÚSTICA - “A mangabeira é uma árvore muito rústica. Ela produz muito bem em solo arenoso, que é um solo muito pobre. Ela não é exigente em nutriente. Também são poucos os traços culturais, basta uma limpeza do terreno para se ter uma boa produção”, explica o agrônomo da Embrapa, Josué Silva Júnior. A mangaba reina absoluta nas baixadas litorâneas da região Nordeste, onde se obtém, de maneira extrativista, a quase totalidade dos frutos colhidos no Brasil. Os Estados da Paraíba, Bahia e Sergipe são os maiores produtores desta delícia dos deuses.

“A mangaba é uma fruta que deve ser direcionada para a indústria. Ela é mais utilizada em suco e sorvete porque trata-se de uma fruta muito perecível. Então, a exploração comercial deve envolver sempre a questão do congelamento”, detalha o agrônomo. A mangaba é muito rica em ferro e vitamina C. A fruta verde é venenosa e imprópria para o consumo, causando intoxicações que podem levar à morte.


AMEAÇA - Essa fruta saborosa e tradicional do Nordeste corre o risco de desaparecer de algumas regiões. As áreas nativas de mangabeiras vêm perdendo espaço para a especulação imobiliária, canaviais, coqueirais e para os criatórios de camarão. Um dos exemplos mais graves está em Pernambuco. Estimativa feita pela Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju/SE) mostra que o estado já perdeu 90% das áreas originais de mangaba. “A situação também é crítica em Alagoas e Paraíba, onde as mangabeiras estão sendo substituídas por monoculturas e ampliação das infra-estruturas turísticas”, afirma o pesquisador e um dos coordenadores do projeto, Josué Francisco da Silva Júnior.


O projeto, iniciado em 2003, tem como objetivo revelar a situação dos remanescentes da mangaba no litoral nordestino e analisar o papel das comunidades tradicionais na conservação desses recursos. “A mangaba é muito importante para os nordestinos porque faz parte da cultura do povo, além de ser muito apreciada pela população. Na época da colheita, que ocorre de novembro a maio, comunidades inteiras vivem exclusivamente da coleta dos frutos nas áreas nativas e da venda em mercados e feiras livres. O desaparecimento da mangaba significará a perda da fonte de renda para centenas de famílias”, justifica o pesquisador.


Os locais em que as áreas nativas da mangabeira estão mais conservadas são em Sergipe e no litoral norte da Bahia. “Percebemos que nessas áreas a especulação imobiliária e a monocultura ainda não são tão predominantes”, aponto Josué Francisco da Silva Júnior. Os trabalhos contemplam os estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pará. Vale lembrar que estamos na estação da mangaba, que vai de novembro até maio.


Conta a lenda que um índio muito corajoso chamado Diaí lutou inúmeras vezes para defender a natureza e protegeu principalmente a seringueira que os homens brancos estavam destruindo. Numa dessas lutas, foi ferido e morreu, sendo abençoado pela Lua. Do seu coração brotou a mangabeira, que se tornou uma árvore sagrada para os índios, dando frutos doces e polpudos, cujo leite se parece com o látex. Um dia, uma jovem índia chamada Ytaciara estava desesperada para salvar Koara, seu grande amor, que estava para morrer. Uma velha índia ensinou Ytaciara a preparar um chá da folha da mangabeira para o seu amado. Ao tomar o chá, Koara sobreviveu e todos conheceram o poder de cura da planta. Excelência em sabor, a mangaba é própria dos deuses

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