25 novembro 2019

Sesquicentenário dos quadrinhos brasileiros (01)


Foi pelas mãos e pelo talento do ítalo--brasileiro Angelo Agostini (1843/1910) que as primeiras experiências com narrativas gráficas seqüenciais foram conduzidas no país, na segunda metade do século XIX. Com sua visão crítica e arguta, esse artista retratou em suas charges, caricaturas e histórias em quadrinhos a sociedade brasileira da época. Defensor da abolição da escravatura e do fim da monarquia, ele denunciou a corrupção das elites e a situação do povo. Após publicar charges, caricaturas e narrativas sequenciais curtas nas publicações Diabo Coxo e Cabrião, lançou na revista Vida Fluminense, em 30 de janeiro de 1869, a história seriada  As aventuras de Nhô Quim ou As impressões de uma viagem à Corte. O protagonista inicia sua jornada deixando a fazenda onde vivia, em Minas Gerais, e parte para o Rio de Janeiro, então capital do país. As diferenças entre a vida no campo e no meio urbano são o elemento motriz das peripécias do personagem. Sua inadequação quanto aos costumes resulta em equívocos e mal-entendidos. No frio ambiente da cidade, perde-se, entra em conflito com seus habitantes e desespera-se.




Considerada a primeira história em quadrinhos brasileira e uma das mais antigas do mundo, a trajetória do matuto rico Nhô Quim, desde sua partida da fazenda dos pais, no interior, até o rebuliço que causa na cidade por não estar familiarizado com as convenções da vida urbana foi um grande sucesso. O personagem perde o trem na estação, provoca acidente com carroças nas ruas do Rio de Janeiro, espanta-se com a luz elétrica e o sorvete e é vítima de espertalhões que almejam tirar-lhe dinheiro. Ao retratar comicamente a ingenuidade e a inabilidade do protagonista, o autor registra o modo de vida carioca na segunda metade do século XIX, as transformações que estavam em curso, a moda e as convenções sociais. Agostini fez nove páginas duplas e depois deixou a revista. Publicada na revista Vida Fluminense, essas histórias não apresentavam os famosos balões de diálogos e o texto narrativo era bastante simples e convencional. Porém, Agostini tinha um traço elegante

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Já na história As aventuras de Zé Caipora, também serializada nas páginas de jornais a partir de 1883, o enredo é invertido: o atrapalhado protagonista sofre uma desilusão amorosa, adoece e acaba viajando para o interior do país, onde vai precisar enfrentar perigos (animais selvagens e índios hostis). Fora do ambiente urbano, o personagem deixa de aprontar confusões e toma atitudes heroicas. No meio do mato, revela-se impetuoso e astuto ao lado da primeira heroína, a índia Inaiá, que viviam inúmeras aventuras na Revista Illustrada, a partir de 27 de janeiro de 1876 a 1891. Num Brasil em profunda transformação política, econômica e social, repleto de lutas pela abolição dos escravos e pela proclamação da República, Ângelo Agostini produziu uma arte que se recusava a ficar parada, estática. Avançando no tempo e no espaço, o artista criou uma narrativa sequencial com cortes gráficos que futuramente apareceriam nas histórias em quadrinhos. O pai de Nhô Quim e de Zé Caipora nos deixou como legado aventuras e caricaturas que revelam um tempo histórico significativo, de um país que se tornará Nação, porém, com fortes desejos de ser uma República. Angelo Agostini foi, sem sombra de dúvida, o principio dos nossos quadrinhos. E também um artista que por meio das histórias em quadrinhos, muito antes delas existirem como as conhecemos; revelou um país repleto de divisões sociais, econômicas e políticas, que começava a caminhar pelas próprias pernas, apesar delas serem, ainda, bastante frágeis. Agostini esteve à frente de sua época, criou um estilo, influenciou e tornou a caricatura, a sátira política e os quadrinhos parte de nossa nascente imprensa.




Bem antes de Nhô Quim e de Zé Caipora o caricaturista alemão Henrique Fleiuss (Heinrich Fleiuss) que assinava H. F. ou H. Fleiuss (1823 – 1882) lançou em 1860 na Semana Ilustrada (1860-1876) dois tipos característicos a lhe servir de comparsa e contraponto em suas tiradas gráficas: Dr. Semana e o Moleque. O Dr. Semana era um tipo atarracado, com cabeça grande e sempre comentando os assuntos correntes, é o carro-chefe de sua produção. Já o Moleque é o primeiro personagem negro a aparecer regularmente no desenho humorístico na imprensa brasileira. Fleiuss teve papel precursor ao colocar, em suas charges, personagens negros em destaque, apresentando em seu semanário caricaturas de cunho abolicionista em defesa do Vente Livre. O artista também criaria outra representação do país, o personagem Sr. Brasil, retratado na figura do índio e surgido em seu periódico na edição de 03 de fevereiro de 1861, sempre em postura crítica aos problemas nacionais. Mais tarde, Fleuiss ainda incorporou à dupla um terceiro personagem, dona Neguinha, esposa do Moleque. Ao que tudo indica, o Dr. Semana era uma adaptação do Dr. Sintaxe, tipo crítico criado pelo caricaturista inglês Thomas Rowlandson, em 1798. Tanto Dr. Semana quanto Moleque se transformaram em símbolo da crítica dos costumes, das fraquezas e dos cacoetes políticos da época. Considerado um pioneiro da imprensa ilustrada humorística no Brasil1, Fleiuss manteve por 16 anos um hebdomandário bem diferente dos que à época alcançava maior destaque social. Seu formato era pequeno, com oito páginas, quatro de texto e quatro com ilustrações. Publicava poesias, crônicas, contos.




Gustavo Barroso criou o primeiro super-herói do mundo, Oscar, um príncipe que adquire super-poderes através de um anel, inclusive voo, e todas essas características foram usadas nos quadrinhos de super-heróis norte-americanos que foram em sua maioria escritos e desenhados por judeus. De fins de 1908 a princípio de 1909, a primeira página de O Tico-Tico foi tomada pela história O Anel Mágico, criado pelo cearense Gustavo Barroso (1888-1959), advogado, professor, museólogo, político, contista, folclorista, cronista, ensaísta e romancista brasileiro. Na historia conta o narrador existir num tempo distante um reino dominado pela mais absoluta paz. Ali, as pessoas entravam e saiam com a maior liberdade, bastando atravessar uma pesada ponte levadiça que há anos não se via sair do chão. O seu soberano era o bondoso e justo rei Canuto XXX, pai do casal: Borboleta e Oscar. Entretanto, no entorno do reino, havia outro, tenebroso e horrendo, regido por Higino, um gigante feroz que, sabiam, possuía um anel mágico que lhe conferia grande poder. Um dia, o gigante deu pelo encanto da princesa Borboleta e decidiu tomá-la como esposa, ansiando também pela riqueza do rei Canuto que, certamente, rejeitou a proposta do vilão. Higino, furioso, convocou toda uma legião de espíritos do mal que, em covarde investida, avançou sobre as muralhas despreparadas do castelo e matou um a um de seus habitantes, com exceção de Borboleta, agora prisioneira na torre, e de Oscar, o nosso herói, que mesmo ferido consegue escapar na densa floresta onde encontra a fada Mariposa. Ela, então, revela ao cavaleiro que a única forma de ele libertar a irmã é conseguir se apoderar do anel mágico de Higino, oculto na torre do cume da montanha Zohnomin, guardada pelo terrível dragão Pyrogrulos. É curioso perceber que aquele jovem e talentoso jornalista criou e quadrinizou – ilustração, roteiro e história –, há mais de 100 anos, uma narrativa de fantasia que hoje impulsionaria best-sellers e a bilheteria de cinemas...


Um comentário:

FRANCISCO DAS CHAGAS GOMES DOURADO disse...

Ótimo trabalho seu.
Porém, uma pequena correção, esse Oscar não é o primeiro super herói do mundo, nem ao menos do Brasil.
Em minhas humildes pesquisas encontrei Príncipe Gilberto que veio um ano antes é foi publicado tb em O Tico-Tico
Link aqui

http://agaqueretro.blogspot.com/2017/06/super-heroi-brasileiro-anterior-ao.html?m=1

Abração, qualquer dúvida sobre quadrinhos antigos sou todo ouvidos