A saudade remete a algo perdido, por
isso se confunde com a nostalgia, pois esta olha sempre para o passado. O
saudosista também não é muito benquisto nos dias que correm. A palavra refere-se
àquela pessoa para a qual o melhor da vida já passou, já foi, já era e
afunda-se nas brumas do antanho.
Mas, para nossa surpresa, nem sempre a
palavra desperta conotações negativas. Para o historiador Durval Muniz, a
saudade é algo ontológico, o nosso suspiro diante do Paraíso perdido. O
escritor Braulio Tavares entende que é impossível para uma pessoa situar-se na
vida sem, em alguma medida, remeter-se ao que já foi; quer dizer, ao que já não
é mais, mas foi um dia para que ela seja quem é no presente. Portanto, conclui,
alguém sem passado seria como uma casa sem alicerces. Frágil, prestes a desabar
diante de qualquer intempérie.
Desse modo, a saudade não se comporia
apenas do seu negativo – o luto pelo que não volta mais – mas pelo seu positivo,
um esteio para enfrentar o desconhecido e seus desafios. Não é apenas
paralisante, como temem os que só creem nas promessas do futuro, mas antídoto
para o eterno presente, a alienante mitologia do nosso tempo. Sem passado e sem
futuro, vivemos no eterno hoje das redes sociais. Um pouco de saudade não faz
mal a ninguém, como nos lembra o filme do cineasta Paulo Caldas.
O longa-metragem Saudade é um
documentário que explora o tema a partir de entrevistas realizadas com 42
pessoas ligadas ao meio artístico. O documentário de 87 minutos é o resultado
de um trabalho de três anos envolvendo gravações em Portugal, Angola, Alemanha
e em várias cidades do Brasil. Teorizam ou improvisam sobre o tema nomes como
os pernambucanos Antônio Marinho, Jomard Muniz de Brito, Adriana Falcão, João
Câmara e Johnny Hooker. E artistas de outras partes, como Milton Hatoum, Arrigo
Barnabé, Zé Celso Martinez, Karim Ainouz, Deborah Colker, Bráulio Tavares e
Arnaldo Antunes, entre outros. Há também várias entrevistas com portugueses e
angolanos.
Saudade é, em duas palavras, a presença
da ausência. Ou a memória do coração. Ou o “ser depois de ter sido“. A saudade
tem uma segunda semântica por baixo da primeira. Não é exatamente o mesmo que
nostalgia, vocábulo que não consegue transmitir tudo o que a saudade comporta
em doses multifacetadas de perda, falta, distância e afeto envoltos no tempo
que transporta o passado ao presente. A saudade é mais memorialista do que
nostalgia. E também mais saudável.
Ter saudade pela ausência é a mais forte
presença do que significa a saudade. A saudade não é solidão. É a companhia da
presença ausente. Ou a presença da companhia ausente. A saudade alimenta-se de
um tempo que já foi, mas que se quer que continue a ser. Por isso, a saudade é
uma afetuosa comunhão com a ausência, por vezes suave, outras vezes tumultuosa.
Luís de Camões deixou-a entrever no seu bem conhecido oxímoro, “um
contentamento descontente”.
Há também a saudade de nós mesmos. Do
tempo que já aconteceu. Ou daquilo que nunca foi. Ou do que queremos que seja e
a que, paradoxalmente, poderíamos chamar a saudade do futuro, na casa da
esperança e da utopia. Como Mário de Sá Carneiro nos confidenciou: “Perdi-me
dentro de mim/Porque eu era um labirinto/E hoje, quando me sinto,/É com
saudades de mim”.
Filósofos já tentaram descrever. Os
apaixonados, quando ameaçados pela distância, já tentaram descrever. Os poetas
parecem eternamente envolvidos por esse sentimento. Os idosos vivem muitas
vezes baseados nessa sensação que está guardada na memória e no coração. As
crianças sentem. Os jovens sentem. Porém, poucos são os que conseguem descrever
a saudade.
Não existe uma regra para determinar se
está certo ou errado, coerente ou incoerente. Há quem aproxima a saudade à dor,
afirmando que todo o seu ser dói. Já outros aproximam este sentimento a um
combustível, pois auxilia no andamento da vida, sempre seguindo em frente.
Todos sentem ou já sentiram saudade em
algum dia de sua existência. Existem os que sentem com mais profundidade e os
que sentem superficialmente. Por um instante, parece que vai nos destruir por
dentro, pesando em nossas lembranças e pensamentos. Logo em seguida, torna-se
uma boa lembrança, tão leve quanto o vôo de uma borboleta.
Por mais que possamos tentar, nunca
conseguiremos definir a saudade por completo, pois além de cada um sentir de
forma diferenciada, nunca vem da mesma maneira. Pode vir ao olhar o nascer do
sol, as ondas suaves que percorrem o imenso mar, o canto de um pássaro, o choro
de uma criança, um abraço entre amigos, o carinho de uma mãe e o repouso de um
jovem que perdeu as esperanças. Pode vir em doses moderadas e exageradas,
equilibradas e complexas, grandes e banais, fortes e complicadas.
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