No dia 04 de janeiro de 1988 – há 30 anos - morria o cartunista Henfil (1944-1988). Ele teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.
Seus personagens, habitantes da caatinga seca e árida, passaram a apresentar a contradição do sul maravilha e o mundo bravo do sertão, principalmente mostrando nos personagens Zeferino e Graúna, sendo que esta última ganhou cada vez mais espaço dentro do contexto das tiras inicialmente dedicadas a Zeferino. Além destes há ainda o bode e a onça que são resultado de histórias que ouviu do cantador que também cria bodes, Elomar, conforme contou
Henfil: “Ele me falava da sua afeição por alguns deles, principalmente o Francisco de Orelana e enquanto ele falava, fui me lembrando do meu pai, todo o meu passado foi voltando. Quando tive de criar a história eu não sabia bem o que fazer, sabia apenas que os meus símbolos deveriam ser bem brasileiros. Surgiu assim,
tudo de repente, e depois eu pesquisei, li Os Sertões, literatura de cordel...”.
Na galeria de personagens criados pela genialidade de Henfil, os Fradins têm um lugar especial. Eles nasceram por imposição de Roberto Drummond, editor da Alterosa, e foram inspirados em dois freis dominicanos mineiros. O Cumprido é o religioso carola e careta, covarde, mas também lírico, romântico e sonhador. Já Baixim é o Henfil pós-freis dominicanos, com uma nova visão de Igreja, que conhece a hipocrisia do mundo e a combate através da ironia e da agressão. Os Fradins têm ainda o mérito de introduzir em páginas impressas expressões como putsgrilla, tutaméia, cacilda, além do gesto simbólico e sua onomatopeia, o top top, que caíram no gosto dos leitores.
Numa entrevista a revista Veja (1971) Henfil revelou: “O Baixinho sou eu. Hoje. O Cumprido também sou eu, numa versão antiga. Vamos dizer que eu andei e o Cumprido ficou para trás. É isso. O Cumprido é como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com aquela formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror, na qual tudo é pecado (o raio que está caindo é castigo de Deus). Do pecado mortal, venial e original. O Cumprido ficou nessa fase. Agora eu me identifico com o Baixinho, que é totalmente como eu sou hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma maneira muito agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…). O Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao meio em que vivo. Já vi: não era anarquizar, agredir essa
gente, como o Baixinho agride”.
Acompanhado os dois Fradins, o Preto que Ri, um frei negro, que ri de sua própria desgraça, e o Tamanduá que Chupa Cérebros. O Cabôco estreou no Pasquim em 1972 e de todos os personagens de Henfil foi o que causou mais polêmica e inimizades ao autor. Dono de um cemitério atípico, Cabôco só enterrava pessoas que estavam vivas. Para personalidades públicas que, no entendimento de Henfil, haviam colaborado de alguma forma com a ditadura, caia no cemitério dos mortos-vivas. E o Cabôco tinha como cúmplice o Tamanduá, que sugava cérebros de suas vítimas para conhecer os pensamentos mais escondidos.
FRADIM
Quando decidiu lançar o Fradim em revistas, Henfil criou um elenco de personagens mais leves para acompanhar a publicação. Surgiu Zeferino, um nordestino da caatinga, esfomeado e sedento, acompanhado de uma minuscula graúna, seu único personagem feminino, que após morrer e ressuscitar em três dias, pôs um ovo e gerou a Grauninha, um personagem delicado que morreu de inanição pouco depois. E ainda um bode devorador de livros, Francisco Orelana, vestindo seu constante chapéu coco, e que foi inspirado num bode real, da criação do cantador Elomar Figueira de Mello. Como antagonistas, o onça Glorinha, e Lati, um coronel do interior.
Com o negro Orelhão, criado nas páginas de O Dia, Henfil desenha a crítica social, com um humor direto, falando claramente aos pobres da cidade, sobre seus problemas mais imediatos. Também para esse público surgiram no Jornal dos Spots seus personagens de futebol: Urubu (torcida do Flamengo, composta em sua maioria de negros), Bacalhau (torcida do Vasco, portugueses), Pó de Arroz (torcida do Fluminense, de pessoas ricas), Cri-Cri (torcida do Botafogo, por conta de sua chatice), Gato Pingado (torcida do América, muito pequena). E para os mais intelectualizados Ubaldo, o Paranoico, um personagem criado com a anistia de 1070, e que sempre se recusou a admitir que os tempos estariam mudando. Segundo Márcio Malta, a chave de Henfil para o sucesso popular foi abordar o futebol não só por seu cunho esportivo, mas também pelo mundo real – partindo da esfera econômica – em que chamou atenção para as contradições sociais entre as torcidas.
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