Há 120 anos morria o muso dos poetas
brasileiros: Stéphane Mallarmé (18 de
março de 1842/09 de setembro de 1898). O poeta francês nunca visitou o Brasil,
mas exerceu uma grande influência entre os brasileiros. A geração do começo do
século XX – a dos simbolistas como Maranhão Sobrinho, Alphonsus de Guimarães,
Emiliano Perneta ignorou a parte revolucionária da poesia de Mallarmé,
preferindo poemas parnaso-simbolistas das primeiras fases, como “Aparição”,
tomando emprestado do mestre apenas as imagens metafísicas e a forma do soneto.
Os poetas modernistas também leram o
francês. Mário de Andrade citou em “Paulicéia Desvairada”, Guilherme de Almeida
traduziu em “Brisa Marinha”, Manuel Bandeira homenageou num ensaio por ter feito
da própria poesia o tema privilegiado de seus poemas. Mallarmé ainda
influenciou Drummond de “Claro Enigma” e João Cabral de “Pedro do Sono” e
“Psicologia da Composição”.
Brinde
Nada, esta espuma, virgem verso
A não designar mais que a copa;
Ao longe se afoga uma tropa
De sereias vária ao inverso.
Navegamos, ó meus fraternos
Amigos, eu já sobre a popa
Vós a proa em pompa que topa
A onda de raios e de invernos;
Uma embriaguez me faz arauto,
Sem medo ao jogo do mar alto,
Para erguer, de pé, este brinde
Solitude, recife, estrela
A não importa o que há no fim de
um branco afã de nossa vela.
Cansado do repouso amargo
Uma linha de azul fina e pálida traça
Um lago, sob o céu atrás da nuvem clara
Molha no vidro da água um dos cronos
aduncos,
Junto a três grandes cílios de
esmeralda, juncos.
Os concretistas beberam do Mallarmé
inventor da poesia visual, que privilegia as interrupções, triturando a
sintaxe, abolindo a pontuação. Que radicalizou o poema concebendo-o como objeto
visual e não apenas para ser ouvido. Ele quebrou o verso, explodindo palavras e
imagens no branco da página. Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos foram
influenciados e lançaram até um livro com traduções de poemas como “A Tumba de
Edgar Allan Poe”, “O Brinde” e “Um Lance de Dados”. A geração dos anos 70
também recebeu influências do poeta francês. Ana Cristina César, Paulo
Leminski, Armando de Freitas Filhos e muitos outros.
O
Acaso
Cai
a pluma
rítmico suspense do sinistro
nas espumas primordiais
de onde há pouco sobressaltara seu
delírio a um cimo fenescido
pela neutralidade idêntica do abismo
Fosse
Seria
pior
não
mais nem menos
indiferentemente mas tanto quanto
A
Vendedora de Roupas
O olho vivo com que vês
Até o seu conteúdo
Me aparta de minhas vestes
E como um deus vou desnudo
Ao reinventar a poesia como enigma,
Mallarmé rompeu com o didatismo, passou a sonhar com leitores refinados e
tornou-se poeta para poetas. Graças à
sua influência, a língua portuguesa conheceu experiências poético-visuais,
aproximando-se das artes plásticas. “Eu procuro o poema como um mistério em que
o leitor deve procurar a chave”. Sua marca está na obra de Fernando Pessoa e
Mário de Sá-Carneiro
POESIA
Toda alma que a gente traça
lenta, no ar, em resumidos
vários anéis de fumaça
noutros anéis abolidos
atesta qualquer cigarro
por pouco que separado
fique da cinza e do sarro
seu claro beijo inflamado.
Assim o coro dos poemas
dos lábios voa sutil.
A realidade, não temas,
excluí-la, porque é vil.
A exatidão torna impura
tua vaga literatura.
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