06 outubro 2014

Cedraz continua em nossa lembrança



No mês de setembro estava de férias, longe de tudo e de todos, mas perto dos livros, quadrinhos,
videos e cds. Era o período que tinha para aprofundar meus conhecimentos. Foi quando recebi uma ligação informando da morte do desenhista Antônio Cedraz. Ele faleceu no dia 11 de setembro, às 05h50 da manhã, vitima de câncer. Fui ao seu enterro e lá encontrei a família e todos os amigos de Cedraz para a última despedida, mas ele continua entre nós através de sua obra, poderosa, positiva, plural. Agrada crianças e adultos.

Naquele dia fez sol pela manhã e choveu muito à tarde. A quarta feira do dia 11 parecia mais triste. Foi triste, mas temos que ser forte e guardar dos que foram as boas lembranças. Foi assim com Lage, que se foi em um mês de novembro, também vítima de câncer. E parece que o câncer se alastra cada vez mais, tenho diversos amigos com essa doença. Eu mesmo, tenho câncer de pele. Os médicos informam que ele foi embora, assim espero.

“Aprender a lutar contra o câncer é aprender a nutrir a vida dentro de nós. Mas não é obrigatoriamente uma luta contra a morte. Ter êxito nesse aprendizado é chegar a tocar na essência da vida, encontrar uma completude e uma paz que a tornam mais bela. Pode acontecer de a morte fazer parte desse êxito. Há pessoas que vivem suas vidas sem apreciar seu verdadeiro valor. Outras vivem a própria morte com uma plenitude, uma tal dignidade, que ela parece ser a realização de uma obra extraordinária e dar um sentido a tudo que viveram. Preparando-se para a morte, libera-se a energia às vezes necessária à vida. É preciso começar desarmando o medo” ensina o médico David Servan-Schreiber.

Este ano Cedraz recebeu diversas homenagens quando vivo. A Biblioteca Monteiro Lobato, no bairro
de Nazaré abriu uma sala com seu nome. A RV Cultura e Arte montou uma exposição onde diversos desenhistas homenagearam as personagens de Cedraz. Ele também recebeu a honraria de uma universidade como mestre de quadrinhos. Em maio gravamos um documentário em sua casa em Brotas sobre sua trajetória. No ano que vem a Flica vai homenagear o quadrinista.

Cedraz vinha publicando ininterruptamente no jornal A Tarde as tiras A Turma do Xaxado. “Tudo começou em 1998, quando Sérgio Mattos editor do caderno Municípios, do jornal A Tarde pediu-me para fazer algumas histórias com um personagem interiorano. Levei algumas tiras de Xaxado, imediatamente aceitas e publicadas duas vezes por semana. Logo depois, o personagem migrou para a seção de quadrinhos do jornal e passou a ser publicado diariamente. Depois, vieram cartões telefônicos, revistas em quadrinhos, revistas de atividades, exposições, seis troféus HQ Mix e mais de duas dezenas de livros publicados. Muitas outras surpresas estão por vir”, conta Cedraz na apresentação da obra.

“A Turma do Xaxado mergulha sobre as lendas e sobre a dura realidade do sertão, sem descuidar da crítica social, e produz um resultado tão eclético que às vezes é difícil precisar a que faixa etária se destinam as histórias. Xaxado agrada igualmente a criança e o adulto. Diverte, ensina e chama à reflexão. Num mercado editorial saturado de criaturas super-qualquer-coisa, que só falam inglês, é um colírio encontrar uma publicação que fale de nossas raízes e dá voz aos que passam por inaceitáveis desamparo em pleno século XXI”, informa Cláudio Oliveira, mestre em Letras que defendeu dissertação sobre A Turma do Xaxado. Nesse livro tem ainda uma apresentação dos personagens em forma de cordel, feitas por Antonio Barreto.

A simplicidade e originalidade do autor em muito se assemelha aos seus personagens, seja ele Xaxado (o líder da turma, neto de cangaceiro), Zé Pequeno (o preguiçoso), Marieta (sabe-tudo da turminha), Arturzinho (filho de fazendeiro abastado), Seu Enoque e Dona Fulo (pais de Xaxado), entre outros. Eles dão vida, humor e significado também a cultura baiana.

Num mercado restrito que é o do grafismo no Brasil, onde há descrença que quadrinho nacional não
vende, na Bahia pior ainda. Aqui não temos editoras para publicar as criações dos artistas locais. Nos anos 70 fundei com alguns amigos o Clube da Editora Juvenil, mais tarde conhecido como Centro de Pesquisa e Comunicação de Massa. Na época publicávamos o fanzine Na Era dos Quadrinhos com estudos e pesquisas sobre quadrinhos, charges, caricaturas, desenhos de humor. Mais tarde essas pesquisas foram publicadas semanalmente na grande imprensa. Mas era pouco para ajudar os artistas gráficos.

Resolvemos realizar exposições em escolas, galerias de artes e shoppings seguindo de palestras para acentuar mais os trabalhos de nossos artistas. E finalmente quando passei a editar os cadernos de cultura da imprensa baiana resolvi abrir espaço para as tiras da Bahia. Essa valorização foi seguida por outros jornais. Na época muitos jovens só se interessavam em criar personagens super poderosos, voadores, super heróis imitações dos norte americanos.

Mas havia um grupo que se destacava para outras criatividades. Nildão, Setúbal, Lage, Cedraz, Dílson Midlej, Aps entre outros estavam nessa leva de criadores. Com o tempo fui me afastando dos quadrinhos (depois de publicar dois livros sobre o assunto) e fui me dedicar em outras artes (cinema, literatura, poesia, música, artes plásticas), mas sempre procurava me atualizar com os quadrinhos.

Cedraz seguiu no foco dos quadrinhos infantis – era uma paixão que ele não deixaria nunca. Saindo do pequeno município de Miguel Calmon, passando por Jacobina até chegar em Salvador ele passou por diversos obstáculos, muitas barreiras, mas sempre com fé naquilo que fazia. E isso é notável em sua trajetória. Um guerreiro, nada desanimava o rapaz, por mais que as portas se fechavam para ele, outra se abria. Seus quadrinhos começaram a ter maior visibilidade quando ele partiu para divulgar no interior do estado, depois em outras localidades. Um de seus livros, Turma do Xaxado – Volume 2, foi incluído no Programa Nacional Biblioteca na Escola onde o governo federal distribui nas escolas dos ensinos fundamental e médio.

Novos livros estavam em pauta no estúdio onde ele fundou e trabalha junto com uma equipe composta de argumentista, desenhista, arte finalista e colorista. Sua filha se dedica na parte administrativa. Tem um desenho animado, revista de circulação nacional e muito mais. Toda esta fase vitoriosa passou por uma trajetória espinhosa que só os artistas nordestinos sabem como é. O nordestino é antes de tudo um forte.

Para a exposição que estamos preparando para 2015 fiz um texto sobre Cedraz que em maio deste ano ele leu e aprovou na hora:

O criador da Turma do Xaxado, Zé Bola, Joinha e tantos outros personagens é um desbravador de sonhos. Antônio Luis Ramos Cedraz é o quadrinista mais conhecido da Bahia, é o nosso porto seguro, nossa identidade deste mundo globalizado. Com ele nunca vamos perder nossas raízes, pois ele fala a língua de sua gente simples e humilde. Ele está no mercado há mais de 40 anos, sempre batalhando, lutando para abrir espaço para os quadrinhos nacionais, mas com muita humildade. Nunca desistiu da luta, mesmo que batalhasse com dificuldades e enfrentando o todo poderoso syndicate norte americano.

Da simplicidade do traço à criatividade da narrativa, Xaxado retrata a vida rural com todas as suas lendas e mistérios. São aventuras de um garoto, neto de um famoso cangaceiro que vivia com o bando de Lampião, às voltas com problemas do dia a dia, junto com seus pais e amigos.
A Turma do Xaxado reúne personagens tipicamente brasileiros e já recebeu diversos prêmios. Todo o trabalho tem um bom acabamento visual das personagens, com precisão no traço e originalidade temática. Através de um enredo fluente, falando de um cotidiano em que se misturam o real e o simbólico, o objetivo e o subjetivo, o autor constrói uma atmosfera da qual é difícil ficar alheio. Através de Xaxado penetramos no universo gráfico de Cedraz, o imaginário infantil cria asas e viaja na mente de todos nós.



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