Para a dramaturga, atriz e doutora em Letras Cleise Mendes o carnaval é o desnudamento dos corpos, da dança lasciva, das letras que acompanham as músicas, picantes, maliciosas ou pornográficas. Para o antropólogo Roberto Albergaria, o carnaval é a exaltação, a exultação do gozo da vida, do prazer da alegria. É espetáculo, é brincadeira, ritual. “É o único momento durante o ano que a gente pode brincar. É uma brincadeira de menino grande”. É um jogo de aparência, de provocar as pessoas.
Antonio Brailowsky tinha a seguinte ideia da América. “A América está muito longe, tão longe está que os homens aqui duvidam que haja sido realmente uma obra de Deus. Assim como o homem foi feito por metades, da cintura para cima pelo Senhor e da cintura para baixo pelo Diabo, a América é a cintura do abaixo do mundo, a que desperta as mais vergonhosas paixões dos homens. Aqui o pecado é lei e a voz de Deus é apenas um sussurro distante, quase inaudível”. Essa ideia de que não há pecado no lado de baixo do Equador, é a ideia de formação da própria sociedade brasileira: a gandaia, a safadeza. A descaração de Caramuru, Diogo Álvares Correia, os padres dos pequenos vilarejos e das casas-grandes e todo aquele encontro dos povos, essa coisa epidérmica.
Já o sociólogo Gey Espinheira diz que o carnaval é a libidinagem tornada público. “A safadeza, a licenciosidade e a libertinagem são ingredientes da baianidade, e não apenas traços comportamentais contidos e reprimidos na sociedade dos dias magros do quotidiano, está se tornando pálido, descorado, pela excessiva uniformização coreográfica de corpos e espíritos, segundo uma ordenação que privilegia a obediência, o conformismo e a imitação, obedecendo a tendência à homogeneidade”.
Enquanto a psicanalista Eunice Tabacof diz que “o nosso tão propalado democrático carnaval baiano criou dezenas de espaços onde cada tribo pode se identificar (...). Há uma aparente mistura de cores, origens e guetos. Há uma busca do esquecimento de si para que o desejo e o corpo soltem o que foi amarrado por uma infinidade de tempo que ficou quase insuportável. Mas sair dessas amarras não é possível para o onipresente medo, e assim o carnaval reintroduz o cordão de isolamento, para que não exploda, repentinamente, a violência que está por trás de tanto desejo, para que Eros e Tanatos reencontrem de novo suas novas convenções”.
“A pornografia sempre esteve presente em todos os carnavais. A gente chama de carnaval essa festa que antecede, como Gey Espinheira disse, em quarenta dias a sexta feira da Paixão, porém o carnaval, esse impulso dionisíaco, essa vontade de festejar, esse êxtase da bebida, sexo, drogas e rock and roll, essa ideia de festa louca, enfim, de se abandonar, de se perder, perder os controles, perder os limites, encontrar novidade, viver intensamente, viver inteiramente sem peias, sem censura, isso está presente em muitas sociedades, em muitas formas diferentes, e a gente pode centralizar tudo isso na palavra festa. O carnaval é, basicamente, festa”. A opinião é de Paulo Dourado no seminário sobre o assunto em 1998.
Assim é o carnaval, uma festa popular que exalta o desabafo popular, o humor das multidões que cantam suas dores e alegrias. Na sua origem é uma festa de rua. Na maioria das grandes capitais, no entanto, acabou sendo concentrado nos sambódromos e bailes de clubes e é para muitos apenas um show na TV. E como escreveu o professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília: “O que veremos nos próximos dias é o jogo sedutor e deslumbrante de tentar resolver esse dilema por definição insolúvel: integrar o que tem de ser separado; homogeneizar o que se baseia na heterogeneidade; igualar o que só pode acontecer porque existe desigualdade”.
O Carnaval baiano é uma máquina de fazer dinheiro. Uma indústria que a cada ano emprega mais gente, vendendo mercadorias e serviços, vendendo alegria, movimentando milhões. Carnaval é sinônimo de diversão para uns e de oportunidade de trabalho para outros. Cerca de 250 mil trabalhadores baianos encontram neste período a chance de trabalho. Durante a folia, a cidade ganha um verdadeiro bloco de esperança, composto por comissários, recepcionistas, eletricistas, garçons, costureiras, seguranças, cordeiros e uma série de outros trabalhadores.
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