Hoje vamos falar de uma aventura de sensibilidade, um sentimento, uma paixão da alma: a saudade. Um conceito que trata de uma experiência universal comum a todos os homens em todas as sociedades – a experiência da passagem, da duração, da demarcação e da consciência reflexiva do tempo. Mas a saudade é diferente de outras experiências porque associa a elementos que não estariam presentes em outras modalidades culturais de medir, de falar, classificar e controlar o tempo.
Nos estudos sobre a saudade, realizados em Portugal, ele é explicado como o resultado de experiências empíricas, das viagens que promovem a dor, da ausência e dos desejos insatisfeitos. Ou como disse o poeta português Teixeira de Pascoaes: “Desejo e dor fundidos num sentimento dão saudade”. Assim, a saudade é o resultado de uma dada experiência, se ela é causada pela contingência sentimental, pelo amor e pela emoção dilacerada da ausência. É a noção de saudade que nos faz refletir e, sobretudo, sentir com mais vigor, presença e intensidade, o nosso amor e a ausência dos entes e das coisas que queremos bem. Ou seja: eu sei que amo porque tenho saudade, e sei que sinto a falta de um lugar porque dele sinto saudade.
A saudade fala do tempo por dentro. Da temporalidade como experiência vivida. É pela saudade que podemos invocar e dialogar com pedaços de tempo e, assim fazendo, trazer os tempos especiais e desejados de volta. Por exemplo, lembro-me bem do tempo em que estudei no Colégio Duque de Caxias, no bairro da Liberdade em Salvador, no antigo “ginásio”, em seguida no Colégio Central fazendo o “científico”. Bons tempos ouvindo Beatles, Roberto Carlos, Rolling Stones e Led Zeppelin. Ou mesmo, tempos depois fazendo o programa semanal da rádio Piatã, “Sessão Maldita de Rock”, toda sexta, meia noite. Pauleira pura!.
Da dor ao riso, do amor ao ódio e do esquecimento à saudade, os sentimentos são marcados e impostos pelo sistema que nos informa porque os temos, como devemos manifestá-los e o modo correto como devemos ser englobados por cada um deles e os seus alvos mais legítimos. Esse tesouro chamado saudade é exclusivo da língua portuguesa. E chegou ao ponto de ser considerada palavra-chave para a definição da alma, do estado de espírito e do caráter de toda uma nação. A importância da palavra saudade não é pequena, pois tornou a melancolia portuguesa passível de inclusão entre as três grandes tristezas europeias.
A palavra remete ao exílio dos poetas e dos judeus e já foi chamada de “monopólio sentimental da língua portuguesa”. E é Mario de Sá-Carneiro, que tinha uma “alma nostálgica de além”, que concluiu: “Perdi-me dentro de mim/porque eu era labirinto,/e hoje, quando me sinto,/é com saudades de mim”. “A palavra é bem pequena/mas diz tanto de uma vez!.../por ela valeu a pena/inventar-se o português”, escreveu Bastos Tigre em 1935. Assim, a saudade é tão nossa que nenhuma outra língua a possui em seus léxicos. Em alguma delas, com outro nome, da origem grega – nostalgia, ou mesmo a melancolia, sentimento típico do exilado.
E nossos poetas que perpetraram sobre “a bendita dor que faz bem ao coração” numa vontade de lembrar querendo esquecer, ou de uma “saudade,/torrente de paixão,/emoção diferente,/que aniquila/a vida da gente,/uma dor que nem sei/de onde vem”, diz os versos de “Canção de Amor”, de Chocolate e Elano de Paula. Vamos agora abrir uma janela para associar saudade e música popular brasileira. A música, muitas vezes, neutraliza a passagem do tempo assim como a saudade que nos segue por toda a vida. E na poesia de Julia de Sá, “saudade é voz do passado, e tristeza do presente. Segue o tempo, lado a lado, a falar dentro da gente”. E a saudade permite transformar a perda em felicidade. “Choras sem compreenderes que a saudade, é um bem maior que a felicidade. Porque é a felicidade que ficou!”, dizia o poeta Manuel Bandeira. Através da saudade podemos lembrar da passagem do tempo.
A escritora Clarice Lispector em seu livro “A Descoberta do Mundo” escreveu: “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida”. “Quando eu olho para mim/dentro de mim tem você/quando eu olho pra você/por dentro sinto saudade/quando eu olho pra saudade/meus olhos vão desaguando...” canta Alceu Valença em “Quando eu Olho pra o Mar”.
“Hoje me olhei no espelho/e senti ´sardade´ d´eu/daquele moço canteiro/repentista e violeiro./Hoje só resta o porão/pois a casa e a cumieira/destino fez bagaceira/e o vento jogou no chão...”. A música é “Baque do Coração” de Vevé Calazans e Bubuska na bela voz de Fafá de Belém. E quem não se lembra da canção “A Saudade Mata a Gente”, de João de Barro e Antônio de Almeida na voz de Nélson Gonçalves? Ou mesmo a “Saudade da Bahia” de Dorival Caymmi, a “Saudade de Amar” de Francis Hime e Vinícius de Moraes, ou a dramática “Nunca” de Lupicínio Rodrigues. O jeito agora é cantar a letra de Tom Jobim e Vinícius de Moraes: “Chega de Saudade”!.
Esse texto escrevi há uns três anos e volto a publicar porque recebi um e-mail de uma grande profissional, Cathyanne Rodrigues que trabalhou comigo e ficamos amigos. Uma pessoa especial. Eis sua declaração:
Saudade do seu andar apressado e cadente pelos corredores, saudade do seu sonoro e amoroso "princesa", saudade do teu sorriso largo e pueril exibido quando conversa com um bom amigo ou fala sobre assuntos que mais gosta, saudade do seu olhar honesto por de trás dos óculos fatigados, saudade de admirar você tomando sorvete ou se deliciando com alguma sobremesa maravilhosa, saudade de você dançando e alegrando o ambiente, saudade das suas histórias que são parte do melhor de você, saudade de você reclamando da sua família, onde no fundo e no raso, tu sabes, é balsámo e veneno de cada um de nós, saudade de você cantarolando uma música qualquer, saudade de observar você, envolvido totalmente na confecção de um texto, saudade de olhar pra você e entender perfeitamente o que você queria me dizer sem nenhuma palavra, saudade da sua leveza sempre as segundas-feiras e do seu estresse sempre as quintas ou sextas-feiras, saudade até mesmo dos momentos onde você ficava bravil e revoltado com alguma injustiça, porque ali eu via claramente quem estava do meu lado, saudade de falar sobre o meu final de semana e sobre meus amores e desamores contigo, saudade da cica dos cajus que me presenteava vez em quando, saudade das castanhas feitas por você, saudade das bananas nascidas do chão onde você pisa cotidianamente, saudade dos filmes que me emprestava, do amor que me dava, do carinho com que me zelava, da lealdade com a qual me admirava, com a simplicidade da tua amizade, saudade, saudade...
Em resposta, a letra da composição de Lenine: Aquilo Que Dá No Coração: “Aquilo que dá no coração/E nos joga nessa sinuca/Que faz perder o ar e a razão/E arrepia o pelo da nuca/Aquilo reage em cadeia/Incendeia o corpo inteiro/Faísca, risca, trisca, arrodeia/Dispara o rito certeiro//Avassalador/Chega sem avisar/Toma de assalto, atropela/Vela de incendiar/Arrebatador/Vem de qualquer lugar/Chega, nem pede licença/Avança sem ponderar// Aquilo bate, ilumina/Invade a retina/Retém no olhar/O lance que laça na hora/ Aqui e agora/ Futuro não há/ Aquilo se pega de jeito/ Te dá um sacode/ Pra lá de além/ O mundo muda, estremece/O caos acontece/Não poupa ninguém// Avassalador...//Avassalador/Chega sem avisar/Arrebatador/Vem de qualquer lugar/Aquilo que dá no coração/Que faz perder o ar e a razão/Aquilo reage em cadeia/Incendeia”
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