19 dezembro 2022

A,B,C dos personagens do quadrinho brasileiro (De Nhô Quim, de Agostini aos Zeróis, de Ziraldo) (03)

 

Os anos 70 foram prósperos para o quadrinho infantil brasileiro: A Turma da Mônica, criado por Maurício de Sousa invadiu todas as bancas. E os quadrinhos alternativos trouxeram vigor e esperança quando foram lançados. A década também foi pródiga para a produção de tiras de humor com enfoque na crítica social e conteúdo contestatório. O clima de tensão vindo pela repressão política e censura aos meios jornalísticos estimulava o afloramento da verve humorística, fazendo surgir uma série de novos cartunistas e personagens inflamados: As Cobras, de Veríssimo, Rango, de Vasques; Chico Peste, de Munhoz; Dr Fraud de Miguel Paiva; Maria de Henrique Magalhães; Zeferino, de Henfil, O Pato, de Ciça. No prefácio de O Pato, de Ciça, Henfil reforçou a questão de identidade, de se criar personagens com a nossa cara, falando de nossa realidade, de nosso dia a dia, de nossos problemas.

 


Em uma entrevista para a revista Garatuja (1983, p.10), Luiz Gê “considera o personagem uma mão na roda em termos práticos, comerciais. Ele ajuda muito para afirmar a existência de uma estória. Vira um logotipo, uma marca. Dá até para explorar sua comercialização, o que é chamado, no ramo, de merchandising. Mas até agora não tem pintado a vontade de pegar algum e começar a vir o mundo através dele, responder através dele, fazer histórias para ele. Pode ser que aconteça. Também acho uma coisa interessante, mas eu curto mais o processo, a ação global da coisa; a relação que a HQ permite entre os Herois humanos e os objetos, as paisagens, etc, as possibilidades que eu tenho de permutá-los. Nas HQs o mundo é um personagem, o objeto é um personagem”.

 


Após a abertura política, com a derrocada da democracia militar em 1985, uma nova geração de cartunistas viria se firmar: Angeli, Laerte, Adão Iturrusgarai, Fernando Gonsales entre outros. Nesses anos 80 foi a vez do cartunista Angeli soltar personagens populares e facilmente identificáveis por todas as classes sociais como o punk Bob Cuspe, a boemia Rê Bordosa, entre outros. Laerte agita Os Piratas do Tietê, Glauco com Geraldão, além dos autores underground paulistanos Marcatti e Muttarelli. Nos anos 90 houve diversas exposições, feiras e seminários trazendo grandes autores e apresentando ao público fanzines e edições independentes que tomou o país e perdurou até hoje, na forma de pequenas publicações e redes de distribuição alternativa. 1990 traria o luxo às publicações, com álbuns cada vez mais caros e sofisticados, tanto na apresentação gráfica quanto no conteúdo. Os artistas podiam experimentar, em trabalhos mais pessoais, e havia público para isso.

 


Devido às constantes crises financeiras, o Brasil oscila na sua construção de quadrinhos. O modelo de produção norte americano, consolidado há décadas, além da grande invasão dos quadrinhos japoneses (que também possui uma muito bem organizada industria de mangá), não deixam espaço para que os quadrinhos brasileiros floresçam de forma definitiva. As publicações que já surgiram ao longo da história, não foram suficientes para anular a precariedade do mercado, sempre sujeito a esparmos de euforia econômica do país.

 

Mais que elencar autores e datas dos primeiros personagens de quadrinhos brasileiros, interessa sublinhar que nossos artistas pioneiros colocaram em cena temas alusivos às mazelas políticas como mensagem de comunicação. Seus trabalhos se infiltravam contundentes em meio ao país reprimido pela Igreja, pelo Estado e pelo regime escravo logo no início.

 

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