A sabedoria antiga advertia: “Se
você quer a paz, cuida da justiça”. Atualmente, a ausência de justiça
está
bloqueando o caminho para a paz, tal como o fazia há dois milênios. Para o
sociólogo Zygmunt Bauman o que mudou é que agora a “justiça” é, diferentemente
dos tempos antigos, uma questão planetária, medida e avaliada por comparações
planetárias. E apresenta as duas razões: O mundo está atravessado por
“auto-estradas da informação”, nada que acontece em alguma parte dele pode de
fato permanecer ao “lado de fora” intelectual. A miséria humana de lugares
distantes e estilos de vida longínquos, assim como a corrupção de outros
lugares são apresentadas por imagens eletrônicas e trazidas para casa e modo
tão nítido e pungente como o sofrimento ou a prodigalidade ostensiva dos seres
humanos próximo de casa. As injustiças a partir das quais se formam os modelos
de justiça não são mais limitadas à vizinhança imediata e coligadas a partir de
“privação relativa” ou dos “diferenciais de rendimento” por comparação com
vizinhos de porta.
determinado lugar tem um
peso sobre a forma como as pessoas de todos os lugares vivem, esperam ou supõem
viver. Nada pode verdadeiramente ser, ou permanecer por muito tempo,
indiferente a qualquer outra coisa: intocado e intocável. A quebra de
fronteiras, chamada de globalização, tornou as sociedades abertas, seja
material ou intelectual. Resultado: toda injúria, privação relativa ou
indolência planejada em qualquer lugar é coroada pelo insulto da injustiça: o
sentimento de que o mal foi feito, um mal que exige ser reparado, mas que, em
primeiro lugar, obriga as vítimas a vingarem seus infortúnios...
Trata-se de uma sociedade
impotente, em decidir o próprio curso com algum grau de certeza e em proteger o
itinerário escolhido, uma vez selecionado. Essa globalização seletiva do
comércio e do capital, da vigilância e da informação, da violência e das armas,
do crime e do terrorismo. Todos unânimes em seu desdém pelo princípio da
soberania territorial e em sua falta de respeito a qualquer fronteira entre
Estados. Uma sociedade “aberta” é uma sociedade exposta aos golpes do
“destino”. A perversa abertura das sociedades imposta pela globalização
negativa é por si só a causa principal da injustiça e, desse modo,
indiretamente, do conflito e da violência.
“Mercados sem fronteiras” é uma
receita para a injustiça e para a nova ordem mundial. A política passa a ser um
continuação da guerra por outros meios, basta observar as ações do governo dos
Estados Unidos e seus “satélites mal disfarçados” de instituições
internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a
Organização Mundial do Comércio que geraram o nacionalismo, o fanatismo
religioso, o fascismo e o terrorismo nessa globalização liberal. Daí outra
advertência da sabedoria antiga: quando as armas falam, as leis silenciam. E
não foi o sentimento de segurança a única baixa colateral da guerra. As
liberdades individuais e a democracia logo compartilharam a mesma sorte. O medo
agora se estabeleceu, saturando nossas rotinas cotidianas.
Os que podem se dar ao luxo de se
fortalecerem contra os perigos, protegem-se por trás de muros, equipando os
acessos a moradias com câmeras de TV, contratando segurança armados, dirigindo
carros blindados. E o círculo vicioso foi deslocado/transferido da área da
segurança (a autoconfiança e a auto-afirmação, ou a ausência delas) para a
proteção (resguardar as ameaças à própria pessoa e suas extensões). Assim a
primeira área despida de sua proteção institucionalizada pelo Estado tem sido
exposta aos caprichos do mercado. Grande parte do capital comercial é acumulado
a partir da insegurança e do medo. Os publicitários têm explorado os medos
generalizados de terrorismo catastróficos para aumentarem ainda mais as vendas
dos utilitários esportivos, altamente lucrativos (os veículos militares
esportivos já alcançaram 45% de todas as vendas de automóveis nos EUA). A
estratégia de lucrar com o medo está igualmente bem arraigada.
A sociedade não é mais protegida
pelo Estado, ou pelo menos é pouco provável que confie na proteção oferecida
por este. O que resta de força e de política a cargo do Estado e seus órgãos se
reduz gradualmente a um volume suficiente para guarnecer pouco mais que uma
grande delegacia de polícia. O Estado reduzido dificilmente poderia conseguir
ser mis eu um Estado da proteção pessoal. Num planeta negativamente
globalizado, todos os principais problemas são globais e, sendo assim, não
admitem soluções locais. A insegurança do presente e a incerteza do futuro
produzem e alimentam o medo. Essa insegurança e incerteza nascem de um sentimento
de impotência.
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