Seguindo o pensamento do
sociólogo polonês Zygmunt Bauman sobre os “Tempos Líquidos” e a
insegurança dos
dias de hoje. Tudo começou com o longo processo do sonho da segurança pessoal,
seguido por uma extensa luta contra o poder arbitrário de reis e príncipes. O
primeiro passo foi a luta pelos direitos pessoais (normas impostas a todos). O
passo seguinte foi a demanda por direitos políticos, ou seja, por desempenhar
um papel significativo na elaboração das leis. Mas o entrelaçamento e a
interação dos direitos pessoais e políticos são exercidos pelos poderosos (os
ricos, e não os pobres). Assim, o direito de voto (o direito de influenciar a
composição dos governantes e a concepção das normas impostas aos governados) só
poderia ser exercido por aqueles “que possuem recursos econômicos e culturais
suficientes” para “se livrarem da servidão voluntária ou involuntária que corta
pela raiz qualquer possível autonomia de escolha e/ou sua delegação”.
Não admira – segundo o sociólogo
– que por muito tempo os promotores da solução eleitoral para o dilema de
assegurar os direitos de segurança pessoal mediante o exercício dos direitos
políticos “desejassem limitar o sufrágio segundo a renda e a escolaridade”. Por
mais de um século após a invenção e a aceitação do projeto de representação
política, a extensão do sufrágio a todas as pessoas, e não apenas às “de
posse”, foi rechaçada com unhas e dentes pelos promotores e advogados desse
projeto.
Sem direitos sociais para todos,
um grande – e provavelmente crescente – número de pessoas irá considerar seus
direitos políticos inúteis e indignos de atenção. Os dois tipos de direitos
(políticos e sociais) precisam um do outro para sobreviver, e essa
sobrevivência só pode ser sua realização conjunta. Mas há dois mundos
segregados e separados. As pessoas da camada superior não pertencem ao lugar
que habitam, pois suas preocupações estão em outro lugar. Além de ficarem sozinhos
e livres para se dedicarem totalmente a seus passatempos e terem os serviços
indispensáveis a seu conforto diário assegurados, eles não têm outros
interesses investidos na cidade em que se localizam suas residência. A
população da cidade não é sua área de pastagem, a fonte de sua riqueza e,
portanto, também uma ala sob sua guarda, cuidado e responsabilidade, como
costumava ser para as elites urbanas de outrora, os donas de fabricas ou os
mercadores de bens de consumo e de ideias.
Já o mundo em que vive a outra
camada de moradores da cidade, a camada inferior, é o exato oposto da primeira.
Caracteriza-se por ter sido cortado da rede mundial de comunicação à qual as
pessoas da camada superior estão conectadas e à qual estão sintonizadas suas
vidas. Os cidadãos urbanos da camada inferior são condenados a permanecerem nos
locais e, portanto, se pode e deve esperar que suas atenções e preocupações,
juntamente com seus descontentamentos, sonhos e esperanças, se concentrem nos
“assuntos locais”. Para eles, é dentro da cidade que habitam, que a batalha
pela sobrevivência, e por um lugar decente no mundo, é lançada, travada e por
vezes vencida, mas na maioria das vezes perdida.
Um condomínio fechado e o
isolamento e distância da cidade. Isolamento daqueles considerados socialmente
inferiores. As cercas têm dois lados e elas dividem em dentro e fora um espaço
que seria uniforme – mas o que está dentro para as pessoas de um lado da cerca
está fora para as do outro lado. Os moradores dos condomínios se cercam “fora!,
da vida da cidade, desconcertante, confusa, vagamente ameaçadora, tumultuada e
difícil, e “dentro” de um oásis de calma
e proteção. A cerca separa o gueto voluntário dos ricos e poderosos dos muitos
guetos forçados dos pobres e excluídos.
A incerteza do futuro, a
fragilidade da posição social e a insegurança existencial (circunstância da
vida no mundo líquido-moderno) tendem a se concentrar nos alvos mais próximos e
a se canalizar para as preocupações com a proteção pessoal. São os tipos de
preocupações que, por sua vez, se transformam em impulsos
segregacionistas/exclusivistas, conduzindo a guerras no espaço urbano. O
propósito dos espaços interditados é dividir, segregar e excluir – não
construir pontes, passagens acessíveis e locais de encontro, facilitar a
comunicação e agregar de outras formas os moradores da cidade.
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