“Veja só quanta miséria/veja só quanta
agonia/veja a que ponto chegou a nossa Bahia/o povo sem
trabalhar/por falta de
energia” (Cuíca de Santo Amaro). Um dos poetas mais conceituado do Brasil foi o
baiano Cuíca de Santo Amaro, autor do famoso “O homem que inventou o trabalho”.
Seu verdadeiro nome era José Gomes (1907/1964) e os seus primeiros trabalhos
começaram, a ser divulgados em 1927. Figura controvertida, amigo de grandes
personalidades da época, inclusive de Getúlio Vargas, preso algumas vezes por
causa de sua mordacidade – Cuíca era um poeta satírico na linha de Gregório de
Matos -, personagem de livros feitos na Bahia para alguns era um engodo e para
outros era a maior expressão em literatura de cordel no Brasil. Em mais de
trinta anos de atividade literária, o poeta Cuíca de Santo Amaro documentou da
maneira mais completa a vida cotidiana baiana. Problemas como a carestia do
povo, os costumes, os usos e a moral vigentes na cidade de Salvador, os crimes,
os desastres e os pequenos casos escabrosos da vida particular baiana.
Outro consagrado cordelista é Minelvino
Francisco Silva (1926/1999), o trovador Apóstolo. Ele é autor de ABC dos
Tubarões, e História do Touro que Engoliu o Fazendeiro. A característica mais
marcante do trovador é sem dúvida, o seu acentuado senso crítico, além da sua
capacidade para fazer rimas. Mas nem sempre o trovador utiliza dos seus versos
para glosar. Há folhetos só de exaltação como “A Chegada de Catulo no Céu”, de
Rodolfo Cavalcante. Rodolfo (1917/1987) é autor de obras como ABC da Carestia e
As Belezas de Brasília e as Misérias do Nordeste. Ele lutou a favor da classe
dos poetas de bancada. Publicou artigos em jornal, organizou congressos e
fundou associações e agremiações e com isso, tornou mais digna e representativa
a classe dos poetas populares. “Não vês a nossa política/prometendo
endireitar/a gente passando fome/tudo subindo subindo/a gente se sucumbindo/o
mundo vai se acabar”.
É comum na literatura de cordel – diz o
crítico Carlos Alberto Azevedo – o culto do herói: Zé Garcia,
João Grilo, Vira
Mundo, Padre Cícero, Frei Damião e tantos outros, pois que os folhetos decantam
a personalidade de um injustiçado, beato ou “santo”. O herói da literatura
popular é forjado na própria estrutura social rural, seja em qualquer zona
fisiográfica da região (mata, agreste, sertão). O herói é aquele que se rebela
contra o statuo quo. Seja ele sertanejo forte e corado ou um Zéamarelinho
ancilostizado da zona da mata.
“Com esse aperto de vida/o povo que nada
pode/pra se esquecer da fome/leva tudo no pagode/agora, na eleição/nas urnas de
Jaboatão/o povo votou num bode/não é coisa de poeta/nem é boato inventado/o
caso foi verdadeiro/o rádio tem divulgado/se a gente que não crê no jornal tem
o clichê/do bode fotografado” (A Vitória de Cheiroso, o Bode Vereador, de
Delorme Monteiro e Silva). A temática da seca atinge o ápice da expressão
comunicativa, enquanto crônica, narrativa, protesto político-social, jornalismo
na literatura de cordel. É preciso não esquecer que, até meados do século XX,
tanto o folheto quanto o poeta popular, que improvisava e cantava nas feiras
livres nordestinas, os casos e "causos", exerciam a função
comunicativa que hoje cabe à mídia, em particular, ao rádio e à televisão.
"A Triste partida", de
Patativa do Assaré, cantada por Luiz Gonzaga, talvez seja a síntese de tudo que
pode acontecer e se relacionar à seca, não passando despercebido da
sensibilidade do poeta popular, conforme se observa nos versos: “Setembro passou/Outubro
e novembro/Já tamo em dezembro/Meu Deus, que é de nós?/Assim fala o pobre/Do
seco Nordeste/Com medo da peste/E da fome feroz/A 13 do mês ele fez
experiência/Perdeu sua crença nas pedra de sal/Mas noutra experiência com força
se agarra/Pensando na barra do alegre Natal/Rompeu-se o Natal, porém barra não
veio/O sol bem vermeio nasceu muito além/Na copa da mata buzina a
cigarra/Ninguém vê a barra, pois barra não tem/Sem chuva na terra descamba
janeiro/Depois fevereiro e o mermo verão/Entonce o nortista, pensando
consigo/Diz: isso é castigo, não chove mais não/Apela pra março, que é o mês
preferido/Do santo querido, o senhor São José/Mas nada de chuva, tá tudo sem
jeito/Lhe foge do peito o resto de fé/Agora pensando ele segue outra
trilha/Chamando a família começa a dizer:/Eu vendo o meu burro, meu jegue, o
cavalo/Nós vamo a São Paulo vivê ou morre...”
Juscelino Kubitscheck, João Goulart e
Jânio Quadros foram os presidentes cantados sobretudo em poemas
circunstanciais, após suas eleições, no momento de sua instalação no poder e no
momento do encerramento de suas funções. Convém juntar o nome de Getúlio Vargas
onde o número de folhetos sobre o presidente gaúcho, após sua morte em 1954, é
bem superior ao número de folhetos de cada um de seus sucessores. “Amigo agora
peço/a vossa honrada atenção/vou rimar, entre soluços/que me vêm do coração/as
horas, tristes, amargas/da morte de Dr.Vargas/Presidente da Nação” (A Vida e
Tragédia do Presidente Getúlio Vargas, de Antonio Teodoro dos Santos).
A literatura de cordel é um importante
meio de expressão popular com valor informativo, documental e de crônica
poética e histórica. O cordelista ao mesmo tempo é poeta e jornalista,
conselheiro do povo e historiador popular. Em 100 anos de existência a
literatura de cordel testemunha a longa evolução percorrida durante mais de um
milênio pela literatura europeia: a transformação de sua “literatura oral” em
literatura na concepção moderna do termo. No Brasil, os encontros, as pelejas,
as narrativas de encantamento, os folhetos "de época" vão continuar
percorrendo o sertão. E hoje, o cordel é objeto de estudo de vários
especialistas. Vida longa ao cordel!.
........................................................................
O "Breviário da Bahia"
está sendo vendido
com
exclusividade
no Pérola Negra,
em frente a
Biblioteca Central dos Barris.
Tel: 3336-6997.
Rua
General Labatut, 137,
Shopping Colonial (loja 01),
Barris
Nenhum comentário:
Postar um comentário