Fluindo de Zygmunt Bauman em seus
“Tempos Líquidos” para o trabalho da jornalista Claudia
Piccazio (“Água,
urgente!”. Editora Terceiro Nome) vamos mergulhar na preocupante previsão da
ONU de que cerca de 4 bilhões de seres humanos serão vítimas da escassez de
água em todo o mundo a partir de 2050. Sabemos que a água recobre 70% da superfície
da Terra e, nessa mesma proporção, faz parte da composição do organismo humano.
Há uma diferença entre a falta de água e a falta de acesso a ela. Uma diferença
essencial porque tem muita gente vivendo a escassez a poucos quilômetros de
fontes abundantes. Ou seja, água existe. O que é preciso é estruturar para ter
acesso a ela. O Chile, por exemplo, atingiu a marca de 100% de cobertura no
aceso à água potável e saneamento em áreas urbanas. O Brasil, apresentou o
Plano Nacional de Recursos Hídricos e foi um dos primeiros do mundo a articular
uma gestão integrada dos aspectos sociais, culturais, éticos, técnicos e
econômicos.
Se o mundo decidir por resolver
as questões da água, ele estará a caminho de solucionar muitas outras, como a
pobreza, o desenvolvimento, a ética, a cidadania, a saúde, entre outros. Toda e
qualquer providência no sentido de captar, tratar, gerir, distribuir a boa água
estará, de maneira indiscutível, ligada a outras questões da existência do
homem. Afinal são 1,2 bilhões de pessoas sem acesso à água e 2,5 bilhões que
vivem sem nenhuma espécie de rede de esgoto – condição que resulta na morte de
25 mil pessoas por dia por causa das doenças associadas à má qualidade da água.
Segundo cálculos feitos pela
Unesco é mais barato para os países suprir suas populações com água de boa
qualidade e saneamento do que pagar as contas dos estragos com a saúde pública.
Os mais variados estudos já comprovaram uma diminuição em até 70% das doenças
relacionadas com a água em populações com acesso a água potável e saneamento.
O planeta Terra tem 1,386 bilhões
de quilômetros cúbicos de água sendo 2,5% desse volume, 35 milhões totalizam a
água doce. Tirando 24,4 milhões em geleiras e o que sobra fica a disposição
para o uso da humanidade, 0,3% em 10,6 milhões de quilômetros cúbicos. E todo
esse recurso é finito.
O Brasil possui 15% de toda a
água da Terra, e o maior fluxo de água do mundo, mas com distribuição irregular
e por isso o volume de água por habitante é bastante diverso. Se no Nordeste a
disponibilidade de água é de 1.279 metros cúbicos per capita ao ano, no estado
do Amazonas esse volume sobe para 773 mil. Há casos ainda em que as reservas
naturais de água doce estão distanciadas da população. Além disso, existe o
desperdício, não a água que cai pelo ralo, mas aquela que nem chega às
torneiras. No Brasil há 47% de desperdício de água potável destinada ao consumo
humano por causa da má conservação dos canos e das redes clandestinas. Tal
volume daria para abastecer de três a quatro países com a mesma demanda da
Suíça, da França ou da Bélgica. A perda de uma gota por segundo totaliza 10 mil
litros por ano.
Sobre a transposição do Rio São
Francisco a questão é polêmica. Alguns especialistas consideram
que não há
estudos sobre a viabilidade técnica dessa proposta e que, portanto, não se sabe
se o rio será capaz de suportar a transposição. O São Francisco tem cinco
hidrelétricas ao longo de seu curso e é bastante utilizado para abastecimento
público e irrigação. Além disso, se as estatísticas falam de 120 mil hectares
de terras irrigadas, extra-oficialmente calcula-se 250 mil por causa das
ligações clandestinas.
Periodicamente os jornais cobram
obras prometidas e não concluídas e contam as histórias da população que vive
na região e sofre com a escassez. Só na Bahia temos Salitre, em Juazeiro,
projeto iniciado em 1993 com pretensões de irrigar 29 mil hectares, mas que até
agora só beneficiou 5 mil; Baixas do Irecê, entre Xique-Xique e Itaguaçu, que
deveria beneficiar 59 mil hectares, mas parou nos 14 mil; Projeto Iuiu,
Guanambi, que ainda não saiu do papel, com previsão de benefícios em uma área
de 30 mil hectares.
O governo não pretende retomar as
obras apenas para socorrer os pequenos agricultores. O objetivo é concentrar-se
nas grandes empresas agrícolas para que elas, por sua vez, abram espaço para os
pequenos produtores. Foi justamente por esse motivo que o bispo D. Luiz Flávio
Cappio, da diocese de Barra, fez greve de fome, em 2005. Não por ser contra a
transposição, mas porque as obras iriam favorecer apenas ao agro-negócio,
ignorando os pequenos agricultores.
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