A etnomusicóloga baiana Emília
Biancardi vai expor neste mês de agosto sua Coleção de Instrumentos Musicais
Tradicionais no Centro Cultural Solar do Ferrão, Pelourinho. Será exposta cerca
de 80 peças indígenas como instrumentos no vestuário (máscaras, saias, colares,
joelheiras, adornos corporais em geral que trazem chocalhos), instrumentos de
sopro (flautas, trompetes, apitos), percussão (maracás, tambores entre outros),
além de baners e fotografias em geral com textos relacionados as peças
expostas. São mais de 50 anos de pesquisa.
Segundo Biancardi a mostra é uma
homenagem ao caboclo, um índio aculturado, uma mistura. “É uma homenagem aos
ancestrais dos caboclos e também para mostrar a riqueza musical que o índio
tem”. O acervo, doado por Emília
Biancardi ao Estado da Bahia em 2011, abriga mais de mil peças coletadas e
recriadas nos cinco continentes, com destaque especial para os instrumentos
indígenas brasileiros, além dos africanos e afro-brasileiros.
COLECIONADORA - Colecionar peças e objetos é uma prática
tão antiga quanto a própria técnica de confecciona-los. A pesquisadora de
folclore, Emília Biancardi se dedica a juntar instrumentos musicais primitivos
do mundo inteiro. Essa paixão vem desde os 19 anos de idade e pode ser avaliado
nos enormes sacrifícios feito pela pesquisadora para a compra de suas peças,
como, durante suas viagens, deixou muitas vezes de alimentar-se corretamente, a
fim de poupar dinheiro. Ela não se arrepende, porém. Hoje já são mais de 2.000
instrumentos espalhados por casas e garagens de amigos.
Há instrumentos do mundo todo. De Katmandu, no Tibet, a
vilarejos do interior da França. É um
acervo interminável. “Não existe um só
lugar que não tenha instrumentos primitivos”, garante, com razão, Emilia, que
se ressente, porém, com a falta de preservação dos instrumentos aqui no Brasil.
Criadora do primeiro grupo para-folclórico da Bahia, na
Escola Normal, em 1962, Emilia começou a viajar pelo interior em busca das
feiras livres, onde pudesse encontrar preciosos instrumentos primitivos. Mais
tarde, já coordenando o grupo folclórico Viva Bahia, pôde viajar ao exterior,
quando adquiriu instrumentos em países da Europa, da África e do Oriente. Mesmo
dos países que não teve oportunidade de visitar, Emilia possui algumas peças
presenteadas por vários amigos diplomatas que se encarregavam sempre de lhe
trazer um exemplar novo para a coleção.
No acervo de Emília, contudo, há espaço também para os
instrumentos primitivos brasileiros. Da tribo dos Kamaiurás, no Xingu, ele
trouxe, por exemplo – a flauta jacuí – considerada sagrada na tribo e
exclusivamente dos homens. Outra flauta, a uruá, é usada às vésperas do quarup
para limpar as casas dos índios contra os maus espíritos. Outras preciosidades
da coleção de Emília são algumas réplicas de instrumentos pré-colombianos,
trazidos do México, e o instrumento africano monocórdico que se chamava rucumbo
e hoje é conhecido como berimbau.
LIVROS - Desde o início dos anos
60, a professora e musicóloga Emília Biancardi realiza pesquisa
sobre cantos e
danças do folclore baiano. Publicou seis livros sobre o tema, abordando
diversos aspectos do folguedo, incluindo partitura musical, fotografias antigas
de dançarinos e mestres e coreografias. “Lindro Amô” foi lançado em 1968 e
narra a trajetória do folguedo típico de Santo Amaro da Purificação e de outras
cidades do Recôncavo baiano que tem por finalidade tirar esmolas ou “missa
perdida”, em louvor aos santos mais populares da região. Em 1969 ela lançou
“Cantorias da Bahia” só dedicada a música folclórica da Bahia.
“Viva Bahia Canta”, lançado em
1972, foi uma homenagem aos dez anos do grupo Viva Bahia e foram registradas
músicas das zonas rural e urbana da Bahia. “A Dança da Peiga”,em 1983,
registrou a dança do interior de Santo Amaro feita só por homens e ligada ao
dia da hora. Naquele dia pára tudo, até as moscas. A noite é realizada a oração
ao dia da hora. A dança hoje se perdeu no tempo. “Olelê Maculelê”, de 1990,
conta a história da dança guerreira presente no Recôncavo baiano, seu
desenvolvimento, mestres, divulgadores e a descaracterização que vem sofrendo,
além das partituras, desenhos e nomes dos instrumentos. É o quinto livro de
Emília e trata de uma das mais significativas manifestações da cultura popular
do Recôncavo Baiano, especialmente Santo Amaro da Purificação onde proliferou o
Maculelê. A obra registra a trajetória de suas andanças, desde o primeiro
contato em 1962 até os nossos dias. Além de
examinar, aborda os diversos
aspectos do folguedo, traz a partitura musical dos cânticos do Maculelê,
fotografias antigas de dançarinos, mestres e coreografias que facilitam a
divulgação e a aprendizagem.
O livro “Raízes Musicais da
Bahia” (2000) reúne partituras e informações raras. Na obra há inúmeros
registros de letras de canções e ritmos que já não existem, além de passos de
danças e coreografias como as do maculelê, samba de roda e outras. Focaliza
numerosas e expressivas manifestações artísticas populares, como
festas
tradicionais e folguedos, instrumentos e cantorias da capoeira, reisados,
ternos e ranchos da Bahia, ranchos do boi, da burrinha, queima da palhinha,
puxada da rede do xaréu, o som dos orixás, candomblé e orquestra afro
brasileira. Há letra e partitura musical dos cânticos que integram cada uma
dessas tradições, além do desenho ou da fotografia de instrumentos musicais das
três etnias que deram origem à nossa música folclórica.
A obra, segundo a autora, visa a
contribuir não só para reativar o papel social do folclore no âmbito de nossas
manifestações artísticas, mas, sobretudo, se propõe a divulgar tais
manifestações em suas múltiplas dimensões de grandeza para o fortalecimento das
raízes musicais populares da Bahia.
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