10 janeiro 2007

Humor gráfico na Bahia (3)

Nildão, Lage, Setúbal, só para lembrar esse trio, traçavam as linhas de quadrinhos e humor no suplemento semanal de um jornal diário da década de 1970 no Brasil: A Coisa. Além deles, participavam regularmente com palpites e algumas contribuições, Antonio Cedraz, já com espaço regional garantido pelo seu Joinha; Dilson Midlej e as primeiras tiras da Nikita, Sebastian Seriol (Sebas) e a série sobre um vendedor de picolé conhecido como Juá, Os Bixim, de Nildão questionando a natureza.

Os problemas de um homem de meia idade, classe média, diante da realidade – trabalho exaustivo em relação a baixa remuneração eram assuntos tratados na série Argemiro, de Setúbal, e o malandro Bacuri, de Carlos França, a garota Bartira de Péricles Calafange, a vida de um casal nos alagados, Nego & Nega, de Romilson Lopes. Tem ainda o grafismo de Cleber Barros, Helson Ramos, o poema processo de Almandrade, e o experimentalismo gráfico de Carlos Ferraz, Jorge Lessa e Jorge Silva num delírio visual nunca visto até hoje na região, as pinturas influenciadas pelos quadrinhos de Juarez Paraíso, Floriano Teixeira, Carybé, Chico Liberato entre outros. Até Castro Alves já rabiscava caricatura, o cineasta Glauber Rocha também.


Na Bahia os quadrinhos procuram novos caminhos, tomados em sua mais ampla significação estética e social. E, como nas demais manifestações artísticas, cruzam-se várias correntes e direções, das mais tradicionais às mais experimentais. Ocorre com o quadrinho feito na Bahia o mesmo espírito de reforma que vem atingindo outra arte. As linhas que se marcam pelo experimentalismo – quadrinhos que exploram a potencialidade visual dos temas – desdobram-se em várias matrizes, desde a pesquisa puramente gráfica (Aps, Calafange) à visão de página como um todo articulado (Jorge Silva, Carlos Ferraz), desde os modelos que se inspiram nos cartuns (Lage, Nildão, Lessa e Setúbal), do poema processo (Almandrade), desenho-animado (Chico Liberato) até o realismo fantástico (Juarez Paraíso, Edsoleda Santos).

Nildão, um dos mais atuantes passou a ser reconhecido nacionalmente pelos trabalhos. Um de seus desenhos marcantes na época foi o de um cangaceiro que urinava pó na caatinga. Desenho de traço nítido, econômico, o cartunista Nildão em vez de fazer rir às custas da pessoa retratada, o homem que aparece em seus desenhos é anônimo. E o espectador se identifica com ele. Ele não ri mais às custas de um outro, mas às suas próprias custas. Porque hoje, os desenhos de humor é um espelho. Suas ótimas idéias colocaram seu trabalho em um patamar sempre elevado. De grafiteiro, cartunista, hoje é designer gráfico. O humor é o equilíbrio, uma questão de saúde, se você sofre do fígado não consegue rir.

Em vez de desenhar os que estavam no poder, Nildão preferia os que estavam em baixo, os que estavam sofrendo ação. Em vez de abrir as portas e ver os poderosos e saber dos fatos dali dos bastidores, ele está em baixo, ouvindo eco das pessoas. Nos anos 80, Nildão publicou Me Segura qu'eu Vou dar um Traço, um marco na história do humor baiano. Oito anos depois veio Bahia: Odara ou Desce. Em 1989, o livro de grafites Quem não Risca não Petisca, depois Ivo Viu o Óbvio, É Duro ser Estátua, entre outros.

Lage tem traço simples e consegue captar todo o momento histórico político vivenciado. Tudo Bem, Ânsia de Amar e outras tiras trazem um humor sem retoques, autêntico, mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro a perplexidade nossa de cada dia. Traço rápido, leve, ágil, sinuoso, carregado de expressividade, firme, ajusta-se a brevidade do momento. O desenho de humor de Lage é uma análise crítica do homem e da vida, uma análise desmistificadora. Seu humor é uma forma de tirar a roupa da mentira. Na Tribuna da Bahia, Lage conquistou a liberdade de criação no veículo, ele é quem responde pelas tiras e charges diárias. A ele é permitido criar e, veicular, todas as suas idéias sem censuras e castrações. É aí que ele desenvolve sua verve artística crítica, explorando os costumes baianos e satirizando os fatos políticos.

A obra de Lage adentra as relações afetivas, vasculha detalhes das relações de classe escancara os valores do imaginário do autor. Aborda temas de caráter intimista pontilhados de crítica à realidade sócio-política-econômica do país, extrapolada muitas vezes quando o fato que questiona alcança uma repercussão mundial. Ele é o chargista crítico dos desmandos do poder, exercendo a cidadania tal qual a princípio lhe é conferida como um direito natural e constitucional, no papel de fiscalizador dos atos dos políticos e dos governantes.

O caric
aturista e ilustrador Paulo Setubal trafega bem pela caricatura, ilustração, charges e quadrinhos. A significação social de sua obra e a elaboração narrativa trazem propostas extremamente ricas para nossos quadrinhos. O dinamismo de seus planos reveste-se de uma significação estrutural à altura das melhores produções gráfico visuais dos nossos tempos.

Ada Brito (Tico e Mif), Menandro Ramos, Carlos França, Ruy Carvalho, Reinaldo Gonzaga (O Achamento do Brasil), e Douglas Gentil atuantes no jornal A Tarde. Tivemos também o caricaturista Ângelo Roberto, o cartunista J.Mendes, Zé Vieira, Eduardo Barbosa, Ruy Trindade, Parlim (com a saga de Antonio Conselheiro), Robério Cordeiro com a série Pintinha, Paulo Serra e seu ecológico Mero e a saga de Conselhei
ro, além das atuações dos cartunistas Cau Gomes, Valtério, Rezende, Cão, Gugão, Hector Salles entre outros. Existem nos subterrâneos de nossa cidade muita gente nova preocupada com soluções formais mais atualizada com a contemporaneidade que nos marca, cultural e ideologicamente. Por outro lado, problemas político ideológico seriam marcantes na medida de atuação cultural desses quadrinhos como objetivos de consumo e como linguagem determinada pelo contexto cultural. Além do fanzine Na Era dos Quadrinhos, Balão e alguns outros, tivemos as revistas Tudo com Farinha (projeto de extensão da Universidade Estadual da Bahia), Abalim, Vilões, Esfera do Humor, Pau de Sebo, e Desagaquê.




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