08 janeiro 2007

Humor gráfico na Bahia (1)

Reprimida em determinados momentos políticos, indesejada como elementos de sátira, a caricatura, o desenho de humor surgido com a chegada da Família Real já revelava grandes artistas. O humor gráfico sempre teve força na vida baiana, ao dar as mais variadas interpretações à nossa realidade. Desde que a imprensa foi instalada no Brasil, a caricatura, que antes era divulgada em pranchas (semelhantes aos atuais posters), constituiu-se num elemento importante nas disputas sociais e políticas.

A importância do desenho humorístico na imprensa, seja como documento histórico, como fonte de informação social e política, como fenômeno estético e como forma de expressão artística e literária, é inegável. O humor gráfico exige de seu criador um mínimo de destreza de traço e um mínimo de julgamento estético. Exige muita síntese, tanto de traços, por causa do impacto visual que deve provocar, quanto de significado, que tem que ser necessariamente claro para que a mensagem passe a todos os leitores.

Os caricaturistas e chargistas são responsáveis pelas entrelinhas da história oficial impressa, traçadas no dia a dia com a atualidade de um editorial e a potência de uma bomba. Uma parte importante do pensamento brasileiro está no traço desses humoristas. Afinal, a caricatura, a charge, o desenho de humor, mesmo sendo uma área frequentemente esquecida, são sempre um indício seguro do pensamento e cultura de uma época. O desenho de humor é uma parte narrativa e descritiva da arte do nosso tempo. Ele é necessário para a crítica social, para fixar os novos hábitos e costumes e para demonstrar com vigor mais imediato as novas idéias.

Antes de aparecer graficamente, a caricatura brasileira já se apresentava verbalmente com o baiano frei Vicente do Salvador (1564), que satirizava a máquina burocrática que entravava a administração do país desde o início da colonização. Gregório de Mattos Guerra, o Boca do Inferno, também ironizou verbalmente a nobreza contemporânea. Lulu Parola foi outro importante crítico de nossa sociedade.

A arte secular de se formar fisionomias, exagerar características e desmascarar a hipocrisia chegou ao Brasil em dezembro de 1837, pelas mãos de Manuel de Araújo Porto Alegre, em pranchas avulsas criticando um político carioca. O termo caricatura vem do século XVI e foi usado pela primeira vez para definir uma série de desenhos dos irmãos Caraci, de Bolonha. Num sentido restrito, significa a representação da fisionomia humana com características grotescas ou cômicas.

A charge, de natureza sempre política, diz respeito ao assunto em destaque no noticiário cotidiano. Pode – ou não – utilizar-se da caricatura pessoal. Em comum, elas têm as origens de seus nomes: charge, do francês, quer dizer carga. Caricare, verbo italiano, é traduzido como fazer carga. O desenvolvimento da tecnologia gráfica e da linguagem jornalística permitiu que ambos alcançassem o status de obras de arte, dignas de figurar em exposições internacionais bastante concorridas.

Ao longo da História, sob os regimes mais obscurantistas, o crítico do lápis sempre esteve presente. A Ângelo Agostini e seus colegas coube o mérito de registrar sob a ópticas do humor, o período mais tumultuado da monarquia. A charge política, introduzida na imprensa brasileira desde o século XIX com Agostini, tornou-se uma tradição, por vezes interrompida por bloqueios políticos. Processado diversas vezes por políticos que se sentiam caluniados, difamados e injuriados, o desenhista tinha muitos fãs entre suas “vítimas”.

A censura prévia chegava com o Estado Novo de Getúlio Vargas. Depois o golpe de 1964, o AI-5, o “ame-o ou deixe-o”, o milagre e a abertura lenta, segura e gradual soaram como verdadeiros exercícios de criatividade (ou sobrevivência). A censura estava mais esperta que nunca. Os chargistas aprenderam a ser mais sutis. Quando os grandes jornais eram impedidos de dizer o que queriam, o humorista não se calava, passava a informação nas entrelinhas. Era o momento das metáforas visuais.

Por esses e outros fatos, a nova geração de humor no Brasil aprimorou a consciência da função do seu trabalho. “O papel do humorista é fazer o povo olhar para si mesmo” (Macksen Luiz). Talvez este seja apenas um dos reflexos do trabalho do humorista. Eles estão cientes de que o riso é a salvação do mundo, e que a desmistificação da verdade escondida é a garantia de vida para o humor com a consequente ampliação do seu consumo.

Nos jornais humorísticos do século XIX, quase sempre em formato tablóides, eram contadas his tórias através de desenhos, impressos apenas num dos lados e,m geralmente numeradas – o que era útil para o caso de ser uma série e vital para o colecionador. Os desenhistas H.Odilon, J.Cardoso, Gavarni e Fortunato Soares dos Santos eram os mais destacados. No período de 1880 a 19000 a Bahia publicava mais de 50 periódicos humorísticos de pequeno formato e curta duração. Entre eles estão O Faísca, O Satanaz, A Troça, O Neto do Diabo, O Papagaio, Foia dos Rocêro e D.Ratão.

Nomes como Manoel Paraguassu (desenho ao lado), K-Lunga, Nicolay Tischenko Foto acima), Sinésio Alves, Fernando Diniz e muitos outros fixaram em seus traços usos e costumes sociais e políticos. Ao longo da história, o crítico do lápis sempre esteve presente. Assim, pode-se conhecer a história de qualquer país através do desenho de humor, da caricatura, da charge. Impiedosos ou amenos, os cartunistas com três ou quatro riscos numa folha em branco são capazes de retratar toda uma época.



Um comentário:

Anônimo disse...

OLÁ GUTEMBERG,
COM MUITA ALEGRIA LHE ENCONTREI E NESSA EMOÇÃO DIGITAL, PARABENIZOO POR ESTE ESPAÇO DE ANÁLISE E DE DESCRIÇÃO CONCEITUAL DA ARTE GRÁFICA NA BAHIA.
Obs; Estou publicando num site uma quadrinho que criei para esse espaço específico.
www.bahiaespirita.com.br
AGUARDO CRÍTICA DESSE TRABALHO EXISTENCIAL.
Continue com esse grande talento na arte de escrever e pesquisar com clareza.
j. mendes