15 janeiro 2007

A hora e a vez dos vilões

O que seria do Super Homem sem o vilão Lex Luthor? E o que faria Batman sem o charme da Mulher Gato? As artimanhas do Charada ou as brincadeiras do palhaço do crime, Coringa? E o Capitão América sem seu maior inimigo, o Caveira Vermelha, a própria imagem do mal? O mundo dos super-heróis é povoado de vilões. Uma legião deles. Cada um especialista num crime, fazendo um tipo especial de bandido. Eles se revezam na luta contra o bem e mantêm ocupados os super-heróis. O vilão é causa e efeito. A sociedade em crise gera o bandido e o mocinho. E os vilões estão ganhando, cada vez mais, a simpatia do público leitor de histórias em quadrinhos. A era agora é dos vilões.

Os quadrinhos conheceram seus primeiros heróis em 1929. Em 1938, seu primeiro super-herói. De lá para cá muita coisa mudou. Em 1940, surgia os perigosos Lex Luthor e Coringa. Eles não valiam nem duas páginas dos gibis do Super Homem e Batman. Naquele tempo pegavam bem os ideais de justiça e decência com que se combatia o mal. Hoje, o eterno inimigo do Super-Homem, Lex Luthor, tornou-se o primeiro biografado no mundo dos quadrinhos. A publicação “Lex Luthor-Biografia Não Autorizada” revela uma mudança radical nos hábitos e preferências dos leitores do gênero. A publicação prova que a era é dos vilões.

Os tempos mudaram. A maldade se sofisticou muito mais do que a luta pela manutenção das ordem. Os escrúpulos determinados pelo infalível código de honra da legalidade são como amarras. Enquanto Batman se recusa a usar armas de fogo, o Coringa se vale de crianças-bombas no episódio do Cavaleiro das Trevas. O Rei do Crime jamais perdeu uma noite de sono por ter viciado em heroína a ex-namorada do Demolidor, para descobrir sua verdadeira identidade. O mundo em quadrinhos tem se aproximado cada vez mais da realidade que o inspira. Muito mais espertos, os vilões perceberam as mudanças e trataram de se adaptar aos novos tempos, enquanto a maioria dos heróis permanecia ingênua e inocente ou na onda existencialista em que Stan Lee os mergulhou nos anos 60.

ANOS 60 – Nos tumultuados anos 60, Stan Lee lançou uma série de heróis problemáticos. Na época, os vilões eram feios e engraçados. Nas HQs, os vilões quase sempre chamam mais atenção do que os próprios heróis, que devem sua fama à estranheza de seus inimigos. Os gibis de Batman são carregados de vilões bizarros. Pingüim anda armado com perigosos guarda-chuvas. Chapeleiro Maluco é uma cópia do personagem homônimo de Alice no País das Maravilhas. O Charada comete crimes perfeitos, mas não resiste a tentação de deixar uma charada que faça Batman captura-lo. Cara de Barro é apaixonado por manequim. Também não faltam mulheres fatais como Erva Venenosa, que inventa batons perigosos e a desejada Mulher Gato. O popular Homem Aranha tem também uma galera de bandidos curiosos como Duende Verde, Dr. Octopus, Lagarto, Kraven, Raposa e Puma sempre na parada.

De todos os vilões quem mais roubou a cena foi o Coringa. Sua primeira aparição acon
teceu em 1940, no primeiro número da revista norte-americana Batman, um ano após o Homem Morcego ter estreado no gibi Detective Comics. Essa primeira aventura do Coringa começava com o vilão anunciando pelo rádio que iria matar um milionário e roubar seu diamante. E matava mesmo. No início Coringa era um terrível assassino. Só foi ficar mais inofensivo nos anos 50, quando o moralista Comics Code exigiu que a série do Batman ficasse mais “família”. Em 1986, Frank Miller recolocou o velho Batman na moda com o Coringa psicopata assassino. O inglês Alan Moore deu grande destaque ao vilão na premiada Piada Mortal.

ANOS 80 – Nos anos 80, a era das trevas foi deflagrada por Frank Miller sobre a terra dos heróis. O patriótico herói americano foi substituído por personagens paranóicos, psicopatas. Tudo começou como The Watchmen,. A série de Alan Moore que mostrou como o tempo estava se esgotando para os super-heróis. Os vilões ganharam projeção: A piada Mortal, de Moore e Brian Bolland, é um show do Coringa, e “Born Again”, a série do Demolidor escrita por Miller, é o palco do Rei. Em 1986, os ingleses Patt Mills e Kevin O´Neal criaram Marshall Law, o caçador de heróis. A era da justiceiromania chegava ao fim e tinha início o violento e bizarro ano 90. A realidade nua e crua bate à porta dos quadrinhos adultos.

O autor mais premiado da atualidade, Grant Morrison, trabalha com personagens irreais (ou reais até demais), absurdos e engraçados. Dom Patrol é um hermafrodita; Shade-The Changing Man aborda a loucura. Trata-se de uma revista mensal estrelada por um mutante de outra dimensão encarnado no corpo de um psicopatra. Roteiro de Peter Milligan. E faz muito sucesso entre os leitores, assim como os filmes de David Lynch que levam o estranho para o lugar-comum, como a série de TV “Twin Peaks”, que trata de atrocidades. Segundo Morrison, “a estranheza está se tornando mais aceitável para o público em geral. Por isso, os melhores comics comerciais dos anos 90 vão ser bizarros e não histórias de super-heróis realistas”.

VIOLÊNCIA – Howard Chaykin, autor do violento American Flagg, transformou um travesti no personagem principal da polêmica série Black Kiss. E pancadaria é o que não falta na ultraviolenta minissérie escrita por Frank Miller com arte de Geof Darrow: “Hard Boiled (durão, no jargão das novelas policiais americanas dos anos “noir”). A história trata de um ciborg impiedoso em busca de suas memórias e seu propósito, com arte nitidamente violenta, repleta de imagens de aberrações. “Na verdade, acho que essa é a espécie de coisa (sexo e violência) que iremos ver cada vez mais nos quadrinhos”, revelou Frank Miller na época. “Há uma explosão de liberdade se aproximando, e alguns escritores e artistas irão querer ver o que acontece quando se faz a coisa mais extrema – o que isso faz à sua história e à sua experiência de leitura. Eu só sei que gostaria de saber mais a esse respeito. Estou no meio há 12 anos e esta é a primeira vez que encontro esse tipo de liberdade”.

A campanha conservadora continua em alta nos EUA e os principais criadores estavam publicando em editoras independentes como a Dark Horse, Vortex e Mad Love, entre outras. Estavam também experimentando diversas linguagens gráficas. Com todo esse avanço, quais os próximos passos desse tipo de arte? O roteirista (“Robocop 2”) e desenhista (Batman, Demolidor), Frank Miller respondeu: “O que vejo acontecer nos quadrinhos americanos é uma diversificação muito grande, saindo dos tradicionais gibis de super-heróis até manifestações artísticas extremamente pessoais. Estamos assumindo os quadrinhos como o campo perfeito para vôos livre da imaginação, como um meio onde não há limites quanto aos temas a serem abordados, e acho que é isso que assegura a posição privilegiada das histórias em quadrinhos na cultura americana”. Série Vilões 1. Reportagem publicada originalmente no jornal A Tarde 05/05/1991. (Gutemberg Cruz)


































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